Faz uma semana que comecei a ler A desumanização, de Valter Hugo Mãe, e nada de escrever o diário de leitura prometido. Como o livro é curtinho, tem 150 páginas, chego com o primeira postagem do diário depois de lidos dois terços do romance. Vão algumas impressões.
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A prosa de Valter Hugo Mãe é extremamente carregada de imagens poéticas. Embora o livro seja curto, a leitura é um pouco viscosa, porque a mente é fisgada, o tempo todo, por metáforas e comparações seguidas, quase sempre muito poderosas. Há pouca ação. Trata-se de uma prosa de sugestão, de ambiência, de atmosfera. Em muitos pontos, lembra-me a Clarice Lispector de A paixão segundo G.H., um livro que me exigiu persistência, como leitor, mas cujas passagens grifadas valem muito a pena reler.
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A desumanização é ambientado em um povoado minúsculo no noroeste da Islândia. Foi inesperado deparar com um autor português que escreve uma estória ambientada nas franjas do círculo polar ártico. Se não passou uma boa temporada lá, Valter Hugo Mãe parece ter realizado uma pesquisa razoável. A leitura conduziu-me a pesquisar a geografia e alguns termos islandeses. Deu até vontade de fazer turismo pelos fiordes.
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Por ora, estou dando três estrelas ao primeiro romance de Valter Hugo Mãe que leio. A densa linguagem poética do livro é de muita qualidade em cada trecho isoladamente considerado, mas, no conjunto, não me parece funcionar bem. É questão de gosto em grande parte. Prefiro a prosa que desliza na planície das frases despretensiosas, em harmonia com a cadeia dos fatos menos graves do enredo, e aponta para um acidente geográfico que rompe a planura, até que subimos a montanha, ou descemos ao vale, por meio de uma passagem de carga poética e dramática equivalentes. Não deve ser à toa que meu poeta predileto é João Cabral de Melo Neto. Não me apetecem os excessos e as ênfases contínuas. Com isso, não chego a desistir de ler o autor, mas minhas expectativas foram ajustadas para baixo.
Raimundo,
ResponderExcluirQue bom!! Aguardava seus comentários sobre este livro como criança que vai ganhar doces.
Este é o livro mais "pesado" dele, justamente pelas características que você bem pontuou.
Ignácio de Loyola Brandão já avisa na "orelha": "Não pense que será fácil".
Depois tente "A Máquina de fazer espanhóis" (bem depois!) ou qualquer outro para conhecer como ele desenrola as ações dos enredos que cria. Este realmente é mais parado, mais sugestivo. Exige mais reflexões para absorver o conteúdo e acaba "quebrando" a estória. Valter Hugo passou uma temporada na Islândia e acho que ficou com essa sensação de inação, de fluir de vida mais por percepções e uma certa resignação do que por grandes feitos - que o próprio clima e a geografia não permitem.
Sou suspeita. Gosto muito desse autor e achei este livro realmente o mais difícil dele.
Aguardando mais observações!
abraços,
Mar