Não registrei ainda meu espanto, ao ler na biografia que, com 21 anos, todos os dentes de Nelson Rodrigues foram extraídos, e, em seu lugar, uma dentadura passou a cumprir as funções de cortar, rasgar e moer. O motivo? Tinha uma febre persistente, mas as radiografias dos pulmões não confirmavam o diagnóstico mais provável: tuberculose. Para tentar descobrir o foco infeccioso que originava a febre, em uma época em que a estreptomicina não estava disponível no mercado a fim de atacar as bactérias via corrente sanguínea, era comum debastarem caninos, molares e incisivos, corriqueiros acoitadores de infecções. Logo depois, a tuberculose deu as caras em forma de manchas pulmonares nas chapas de raio-x.
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A gente ouve falar em Oswald de Andrade quando estuda a Semana de 1922 e depois nunca mais. Fiquei surpreso ao saber que o vanguardista Oswald estava vivo na década de 1950, apesar de "desdentado, falido e doente". Qual não foi minha supresa ainda maior, quando li que o debochado incendiário Oswald de Andrade chegou a defender, em coluna de jornal, a criação de uma "'polícia literária' que impedisse a obra de Nelson de passar de um 'folhetim de jornalão de quinta classe'". De Cecília Meireles e Nelson Rodrigues, chegou a dizer que eram "autores de livros analfabetos, que nunca deveriam ter sido escritos". O guerreiro de 1922, segundo Ruy Castro, ansiava por uma polêmica com Nelson, que não entrou na onda. A história está cheia de exemplos de gente que se contradiz assim: uma hora é visionária, outra hora, grosseiramente cega. Um de meus maiores medos é protagonizar na vida uma incoerência gigante como essa.
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O jornal do pai de Nelson Rodrigues foi empastelado na Revolução de 1930, porque era intimamente ligado ao grupo político deposto, representado pelo paulista Washington Luís. Em meados da década de 1950, a família Rodrigues conseguiu na Justiça o direito a uma indenização pela perda. Os filhos comparam um apartamento para a mãe viúva e dividiram o restante da bolada. As leitoras e eu provavelmente investiríamos esse dinheiro para gerar renda e, com alguma perícia, ampliá-lo. Stella Rodrigues, a irmã médica de Nelson, resolveu usar sua cota para adaptar para o teatro um romance que publicara em 1945 e montar o espetáculo. Na melhor tradição familiar, não apenas gastou seu dinheiro, como também se envolveu em polêmica com seus colegas de profissão, alvos das críticas de Tire a máscara, doutor!
Uauu! Roupa nova com o excelente conteúdo de sempre!
ResponderExcluirFicou muito legal.
Consegui curtir a postagem!