Comecei a ler, há aproximadamente uma semana, O Anjo Pornográfico, biografia de Nelson Rodrigues escrita por Ruy Castro. O biógrafo tem uma prosa bem marcante, que mescla certo tom informal com palavras pouco comuns, mas expressivas. O resultado é ótimo. Tive contato com esse estilo famoso de Ruy Castro no ano passado, quando li Era no tempo do Rei, um romancezinho despretensioso que me pareceu ter toda a pinta de infanto-juvenil, mas não deixou de me impressionar pelo aspecto da escrita em si.
Estou entre o primeiro quarto e o primeiro terço da biografia e posso dizer que a combinação da prosa de Ruy com sua pesquisa bem feita e com suas escolhas sobre o que era relevante aparecer na obra rendeu um ótimo resultado, muito melhor do que o obtido por ele no romance lido no ano passado por mim.
Castro ficou famoso por suas biografias de Nelson Rodrigues, de Garrincha e de Carmen Miranda, além de outros títulos de crônicas. Creio que, ao lado de Fernando Morais, autor de Olga e de Chatô: o Rei do Brasil, bem como de Lira Neto, que trouxe à luz biografias do Padre Cícero, de Maysa e, em três volumes, de Getúlio Vargas, Ruy Castro é o maior biógrafo da atualidade no mercado editorial brasileiro. O Anjo Pornográfico, lançado em 1992, foi o primeiro de seus livros nesse gênero.
A intenção do autor, conforme anunciada na "Introdução", não é a crítica ou a análise das obras de Nelson Rodrigues, mas eminentemente factual: seu intuito é narrar, segundo suas palavras, "onde, quando, como e por que". As iscas que ele inseriu na seção introdutória, como que para vender o peixe do livro, são eloquentes: "O Anjo Pornográfico é a espantosa vida de um homem - um escritor a quem uma espécie de ímã demoníaco (o acaso, o destino, o que for) estava sempre arrastando para uma realidade ainda mais dramática do que a que ele punha sobre o papel." Aí se tem uma amostra da prosa de Ruy, com essa ótima expressão "ímã demoníaco". Ademais, quem tem alguma noção do que é a obra de Nelson Rodrigues - quase todo mundo tem - fica curiosíssimo por saber como a vida dele pode superar sua obra em dramaticidade.
No passo em que me encontro, o livro está transitando da fase em que se conta a vida de Nelson no contexto familiar para aquela que será centrada, imagino, propriamente nele. A narrativa começa no Recife, onde nasceu o biografado, passa pela mudança da família Rodrigues para o Rio de Janeiro e segue pelos altos e baixos deles no período de formação de Nelson. Nota-se que Ruy Castro aponta, aqui e ali, possíveis fontes para a ficção rodriguesiana, marcada por traições, bebedeiras, mortes apoteóticas e loucuras.
Uma personagem que chamou particularmente minha atenção, nesse quase primeiro terço de livro, foi Sylvia Seraphim, uma mulher estonteantemente bonita, colaboradora de jornais da época e amiga de intelectuais, algo ainda incomum então. O desquite de Sylvia foi noticiado de forma sensacionalista pelo jornal de Mário Rodrigues, pai de Nelson, apesar dos apelos reiterados para que deixassem esse assunto privado fora das páginas do diário. As consequências foram catastróficas, e aqui eu fico, para vocês não me acusarem de estragar um dos baratos da biografia.
Uma coisa bacana das boas biografias é que elas logicamente não informam apenas da vida da personagem-título. Para permitir que essa seja entendida, vêm a reboque as de outras personagens relevantes, afora elementos de história e de tudo quanto possa lançar luz sobre o biografado. O Anjo Pornográfico também trata, por exemplo, de Mário Rodrigues Filho, irmão de Nelson e grande pioneiro da crônica esportiva nacional, cujo prestígio redundou na escolha de seu nome para o mundialmente famoso estádio do Maracanã. Outro irmão de Nelson, Roberto, ilustrador e artista plástico que viveu muito pouco para deixar uma obra mais marcante, teve um filho, morto em 2014, que seria um dos maiores designers do Brasil.
Incluí O Anjo Pornográfico na meta de leituras de 2015 por duas razões principais. Em primeiro lugar, estou interessado no gênero biográfico e considero que preciso me encharcar dele, para absorver sua forma. Em segundo lugar, se elegi a prioridade de ler biografias, tanto melhor que sejam sobre pessoas que foram protagonistas em áreas que me interessam primordialmente. No caso de agora, o mundo da literatura. Voltarei mais tarde a essas duas intenções geradoras da presente leitura, mas adianto que o livro de Ruy Castro tem cumprido muito bem a destinação que lhe dei, além de deleitar-me com seu ímã demoníaco.
(O trecho lido no vídeo acima refere-se ao caso de Sylvia Seraphim)
(Sobre o abandono dos estudos por Nelson Rodrigues)
(O pai de Nelson Rodrigues começou como jornalista e terminou com proprietário de jornal. Uma das seções que certamente serviram de inspiração para a obra do biografado foi a policial.)
(Ruy Castro especula sobre a influência da vida na primeira vizinhança dos Rodrigues no Rio de Janeiro sobre a mente de Nelson)
(Logo que os Rodrigues chegam ao Rio, a cidade é assolada pela epidemia da gripe espanhola)
"Imã demoníaco", adoro! Hahahaha.
ResponderExcluirFaz tempo que não leio uma biografia, quero ver se leio pelo menos uma esse ano. Tenho uma do Freud fazendo aniversárioSsss na minha estante.