09/09/2015

18 dias - resenha


Aos poucos, estou tentando cumprir a agenda de postagens prometida. Depois da resenha de Harry Potter e a Pedra Filosofal, chego a um livro de não-ficção, completamente alheio ao mundo das bruxas e da fantasia de J. K. Rowling. 18 dias, conforme adiantei em texto publicado como diário de leitura, trata de política internacional, de política externa brasileira e de história recente. Minha avaliação geral dessa obra é muito positiva, e tentarei explicar os porquês nos parágrafos seguintes. Em linhas gerais, trata-se de um apanhado amplo, claro e relativamente profundo do que de relevante aconteceu nas esferas políticas externa e doméstica brasileiras dos últimos vinte anos. "Amplo", "claro" e "profundo" são qualidades de difícil convivência em uma mesma obra.

O autor foi muito feliz, quando concebeu a forma de 18 dias. Ele poderia ter contado a mesma história, com todas as passagens analíticas e com títulos temáticos, de maneira direta, como qualquer livro científico faz. Felizmente, sem qualquer prejuízo para o conteúdo - bem ao contrário -, Spektor teve a ideia de apresentar fatos e análise em forma de diário ou de thriller. Tomou os dezoito dias subsequentes à primeira eleição de Lula para Presidente e transformou-os em mote para passar em revista os temas de política externa que pairavam sobre os rumos domésticos do País. Dessa forma, os capítulos têm um movimento interessante, que começa como um diário de Lula e de FHC em cada um dos dezoito dias, escorrega, sempre com um bom gancho, para a exposição do assunto do capítulo - direitos humanos, energia nuclear, comércio, paz e segurança, economia e finanças, relações com a América do Sul, com a Europa, com a China e com outros parceiros cruciais de nossa agenda internacional, governança mundial etc. -, até retornar à esfera micro, já com o enlace para o próximo capítulo-dia.
A relevância do recorte temporal realizado por Matias Spektor não pode ser negada, bem como deve ser reconhecido o caráter significativo do fato que ele escolhe como eixo principal da narrativa: a cooperação entre os adversários políticos FHC e Lula em favor do interesse maior do País. Em 2002, pela primeira vez em décadas, um Presidente eleito diretamente transmitiu o cargo a outro escolhido nas mesmas condições. Também pela primeira vez, um político com histórico francamente esquerdista, um homem de origem miserável, alheio às hostes oligárquicas brasileiras, chegava à Presidência da República. O autor encarrega-se de mostrar como, em um País marcado por rupturas institucionais diversas no âmbito político-eleitoral, os dois maiores líderes brasileiros da transição entre os séculos XX e XXI cooperaram e entenderam-se, apesar das divergências domésticas, para conquistar a fiança estadunidense e garantir a normalidade social, econômica e política.
Matias Spektor, além de dotado de uma escrita clara e de uma densa capacidade argumentativa, mobilizou sua rede de contatos de primeira linha, para instilar na narrativa elementos mais vivos, de bastidores, pouco acessíveis em material bibliográfico em circulação. Pela lista de agradecimentos, na parte em que menciona pessoas com quem conversou para a escritura do livro, depreende-se o excelente repertório de relações a que o autor pôde recorrer, para reconstituir fatos, para aventar interpretações e para entender decisões de cúpula. Entre os entrevistados, estão nada menos do que os ex-Chanceleres Celso Lafer, Luiz Felipe Lampreia, Celso Amorim e Antonio de Aguiar Patriota, além do atual, Mauro Vieira. Constam também do rol de interlocutores os ex-Presidentes FHC e Lula, o ex-Ministro todo-poderoso José Dirceu, assim como vários Embaixadores (Rubens Ricupero, Rubens Barbosa, Gelson Fonseca Jr., Marcos Galvão, José Botafogo Gonçalves), a ex-Secretária de Estado Condoleezza Rice, o historiador Leslie Bethell etc.
Eu arrisco-me a dizer que 18 dias figuraria facilmente em uma lista dos dez livros de não-ficção fundamentais para entender o Brasil, entre as publicações dos últimos vinte ou trinta anos. É surpreendentemente completo e abrangente, é instigante, é revelador em vários sentidos e é uma prosa assaz bem construída. Dou 5/5 estrelas, com vontade de reler.

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