07/02/2015

Considerações sobre a "Odisseia"



Estou aproveitando que me deixaram sozinho em casa para atualizar o blog.

Quem acompanha o @palavradeliteratura no Instagram sabe que tenho uma queda especial pela Odisseia. Criei lá uma série em que posto o mesmo trecho dessa obra em diferentes traduções para o português disponíveis no Brasil. 

A Odisseia, como a Ilíada e a Bíblia, são livros fundadores da civilização ocidental. Nós crescemos em contato com várias referências a essas obras, muito frequentemente sem ter consciência disso, alheios à importância que elas tiveram em nossa formação e no modo como nosso mundo simbólico é organizado.

A questão da autoria e da formação de livros como a Odisseia é problemática. Nós contentamo-nos em dizer que os versos originais, em grego clássico, são de Homero, mas os especialistas acadêmicos ainda no presente debatem se ele foi uma pessoa só ou um conjunto de poetas. Chamam esse problema de "a questão homérica". Fazem, nesse esforço, um trabalho de arqueologia que também se aplica aos livros bíblicos, quando abordados histórica e literariamente. 

A forma atual da Odisseia remonta, mais ou menos, ao momento em que uma das mais avançadas sociedades humanas da época, a dos gregos antigos, transitou da vida predominantemente oral para um estágio em que a escrita se disseminou e passou, inclusive, a servir como suporte para as obras poéticas. Por essa posição inaugural, embora sejam reiteradas vezes citadas, de forma manifesta ou indireta, ao longo de toda a história da Literatura no Ocidente, as epopeias de Homero pouco ou nada têm, antes de si, para citarem, a não ser um abismo de tradição oral a que obviamente não temos acesso.

Os grandes dramaturgos gregos, Platão, Aristóteles, o latino Virgílio, o luso Camões, nosso Machado de Assis, no século XIX, e James Joyce, com seu Ulisses, formam uma longa fileira de sumidades literárias que, em quase três milênios, rendem tributo às epopeias homéricas.

Tão perto e tão longe. Apesar de sua presença constante e imperceptível, o fato de ter sido escrita por volta do século VIII a. C., em um contexto de todo diferente do nosso, torna a Odisseia potencialmente problemática para um leitor desavisado. Acho que é o tipo de livro que se deve abordar com obstinação e paciência. Talvez valha a pena ler primeiro em prosa, para familiarizar-se com o conteúdo, e depois, em uma releitura, experimentar o ritmo e o tom de traduções em verso, mais próximas ao original. A intimidade e o deleite vêm com o tempo, em minha opinião. Não é, portanto, uma obra para quem prefere pagar mais caro por um prazer imediato e momentâneo do que negociar com o tempo um prazer maior, mais duradouro e mais em conta.

Em 2015, relerei a Odisseia na tradução de Christian Werner, recém-lançada pela Cosac&Naify (ver postagem sobre as metas de leitura deste ano).

Em postagens futuras, mostrarei, também no blog, como diversos tradutores resolveram a difícil tarefa de verter do grego - ou de recriar para o português - os versos homéricos.

A seguir, minha coleção de edições da Odisseia, pela qual vocês podem inferir o bem que quero a esse livro.

(A primeira que eu comprei foi a da Cultrix, em tradução em prosa de Jaime Bruna, em 05/11/2004, por R$ 22,00. Ela também foi lançada pela Abril, com capa revestida de tecido, e vendida nas bancas de revista. Também está disponível em formato digital.)

(Essa foi minha primeira tradução em verso, talvez a mais famosa no Brasil, de Carlos Alberto Nunes, que também traduziu todos os diálogos de Platão. Essa tradução está disponível em várias edições, como as da Ediouro, da Saraiva/Nova Fronteira e da Hedra. Gosto muito dela.)

 (Essa edição em espanhol, com capa dura, comprei em Madri, em outubro de 2008, em uma banca de revista. Lembro que custou baratíssimo. É da editora Gredos.)

(Tradução do luso Frederico Lourenço, da sempre cuidadosa Companhia das Letras, em parceria com a Penguin)

(A Editora 34 lançou a tradução de Trajano Vieira, Professor da Unicamp, a qual inclui texto de Franz Kafka sobre a Odisseia. A minha é a versão de bolso, mas está disponível também em tamanho maior.)

(Esta edição portuguesa, em dois volumes, foi um de meus presentes de aniversário em 2013, dadas pela mais importante pessoa entre as que escolhi fazerem parte de minha vida.)

(A tradução de Christian Werner apareceu no mercado em 2014, em duas edições da Cosac & Naify: uma muito bonita e outra preciosíssima. A segunda foi meu autopresente de aniversário em 2014. Ela está em minha meta de leitura deste ano.)

(Essa foi a última que comprei, do maranhense Manuel Odorico Mendes, o primeiro a traduzir a Odisseia para a língua portuguesa, ainda no século XIX. A capa é horrível, como quase todas da Martin Claret, que agora tem melhorado isso. A recriação de Mendes é interessantíssima, mas pouco amigável ao leitor contemporâneo.) 




7 comentários:

  1. Não sei se vc já viu, mas no canal da Univesptv tem uma playlist que chama "Literatura Fundamental" ( http://www.youtube.com/playlist?list=PLxI8Can9yAHfwU1xgIgN2QLh6SuYsV2gG ) , são peogramas de 30min. em que um especialista é convidado a falar sobre uma obra da literatura universal. E os primeiros videos são com o prof. André Malta falando sobre Odisseia e Ilíada. Bem legal, vale a pena conferir!

    ResponderExcluir
  2. Raimundo,

    um prazer descobrir seu blog! Parabéns.Uma delícia de ler.
    Você já leu Valter Hugo Mãe? Entendi que prefere usar o filtro "tempo" como critério para confirmação dos clássicos dado ao pouco tempo que temos para ler todos os bons livros nessa vida, mas sugiro que leia esse autor - se é que ainda não leu, claro - mesmo sendo contemporâneo.
    Adoraria ver seus comentários sobre o "Desumanização", "O remorso de Baltazar Serapião" e outros.
    Lerei "Odisseia". Seu carinho pela obra é bem contagiante.
    Ah! E desculpa, mas tomara que te deixem mais vezes sozinho em casa! Rende postagens para nós!! rsrs
    Abraços,
    Marcela

    ResponderExcluir
  3. Teófilo Ribas11/02/2015, 02:47

    Tens uma bela coleção.
    Interessante a forma que mencionas e difencias cada uma delas. Das frases escritas, o que mais me chamou a atenção foi a explicação sobre o seu presente de 2013. Me fez refletir bastante sobre isso... As pessoas que escolhemos para fazer parte de nossa vida.

    ResponderExcluir
  4. O professor Carlos Nougué (que já foi vencedor do premio Jabuti de tradução) aponta a tradução de Carlos Alberto Nunes como a melhor do país. Bom, essa opinião é de peso. Parabéns pelo blog, a propósito

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É, a tradução de Nunes é a que sempre recebe a maioria das referências positivas. Acho que ela atingue um bom equilíbrio entre clareza, fidelidade à forma e ao conteúdo. Obrigado pela visita a este blog que anda bastante esquecido.

      Excluir
  5. O que pensou da edição da editora 34 ?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ainda não a li inteira, mas o tradutor é bem reputado. Você já leu?

      Excluir

Deixe uma palavrinha