30/11/2015

Fechamento da CosacNaify e de muitas portas para a esperança de beleza no Brasil dos livros

Acabo de ler que a editora CosacNaify vai fechar as portas. Matéria do Estadão com entrevista de Charles Cosac noticia que o editor e sócio tomou a decisão, porque, a ver o espírito que regeu a formação do perfil da editora ser corrompido pelas determinações de mercado, preferiu encerrar o passado da casa em um lugar seguro. Como bibliófilo e apaixonado, na exata expressão desse adjetivo, pelos livros cuidadosamente gestados pela CosacNaify, fico bem entristecido. A sensação parece com aquela de quando um grande escritor morre, e a gente fica enlutado pelos livros singularmente belos que somente ele escreveria, mas já não escreverá. É uma sensação de solidão, de restrição das possibilidades de comunicar-se, de sair de si e de encontrar outros no caminho. Quando leio um livro de autor assim - e quando tateio, cheiro e perscruto um livro da CosacNaify - sinto-me expressado, comunicado, prazerosamente fora de mim e identificado com os outros: com o escritor, com os demais leitores, com a equipe da editora que artesanou aquele volume com empenho, com desvelo e com ardil de artista que busca a melhor síntese entre forma e conteúdo. A equipe da editora demonstrava acreditar que as obras finamente selecionadas e traduzidas por eles mereciam o figurino não adequado, mas inelutável. A confluência de circunstâncias que permitiu o surgimento e a existência da CosacNaify, nos últimos vinte anos, não irá, infelizmente, repetir-se tão cedo. Que bom que aconteceu, que pena que acabará.

Rapidinhas de final de novembro

Prevejo que dezembro será um mês com fôlego nas postagens. Estive mais ausente do blog do que gostaria em novembro. Tive a seleção do Mestrado em Literatura, precisei preparar e apresentar um seminário na disciplina que curso, como aluno especial, do mesmo programa de pós-graduação, houve meu aniversário, que consome tempo na obrigação prazerosa de atender aos apelos de familiares e de amigos para comemorações, além das fogueiras de tempo de sempre: trabalho, relacionamento, amizades, visitas de gente querida a Brasília. Concluídas essas etapas, consegui terminar algumas leituras e retomar outras, agora falta comentá-las aqui.

***

O livro que mais trabalho me dará vai ser Viva o povo brasileiro. Li-o, como sabe quem acompanhou postagens recentes aqui, por causa do seminário referido no parágrafo acima. Se toda obrigação fosse assim prazerosa e transformadora, eu viveria submetido a elas. O problema para tratar desse romance de João Ubaldo Ribeiro aqui será a dificuldade de abarcar a grandiosidade desse texto. É impossível fazer jus ao todo que ele significa, e disso sobressai o desafio de fazer recortes que sejam cirúrgicos e relevantes. A seleção será muito complicada, eu provavelmente não ficarei plenamente satisfeito com o resultado, contudo é preciso fazê-la.

***

Darei notícias também sobre Cangaços. Apanhado de textos de Graciliano Ramos sobre as manifestações do cangaço, inclui crônicas, ensaios e capítulos de romances como "Vidas secas" e "Caetés". A unidade temática da coleção é reforçada por notas explicativas e contextualizadoras, e um posfácio dos organizadores sintetiza os aspectos formais e conteudísticos comuns, além de sugerir liames desses textos com a obra de Graciliano considerada globalmente. A prosa do escritor alagoano, louvada há décadas com muita razão, a meu ver, dispensa comentários e responde por boa parte do prazer proporcionado pela leitura deste volume.

10/11/2015

O que o Palavra de Literatura me tem proporcionado

O perfil no Instagram e o blog onde publico este texto mal completaram um ano. Falta pouco, mas foi muito o que esta experiência em que me lancei trouxe de bom e de novidade à vida. 
Gosto da palavra escrita desde o comecinho da adolescência. Palavra me fascina. Acho que ter um instrumento para penetrar no que pensam e sentem outras pessoas e para tentar aproximá-las do que somos, das mais valiosas nuanças do que sentimos, é mesmo algo que se poderia qualificar como divino.
A transmissão sempre será imperfeita, contudo pode-se, mesmo assim, experimentar, por meio das palavras, as delícias envolvidas em viajar para outros eus, em reconhecer fora de si algo que é intimamente familiar, em esquecer um pouco a solidão em que vivemos ilhados e meio condenados. A linguagem propicia a esperança de expandir os limites representados pelas barreiras de nosso eu.
Quando criei o Palavra de Literatura, como está explicado nas postagens iniciais, a ideia era elaborar textos sobre minhas leituras, mas com foco em palavras que chamei "de literatura", porque são incomuns, de uso pouco corrente. Essas palavras têm talento para perturbar nosso automatismo de cada dia, remexem com pensamentos e com sentimentos acomodados, talvez desorganizem uma ordem interna de marasmo e de enfado. Algo novo acontece em mim, quando deparo com uma palavra de literatura. A ideia do IG e do blog, em primeiro lugar, era salvar esses momentos luminosos e, além disso, deixá-los à disposição de quem se pudesse sentir tocado por eles comigo.
O foco das postagens expandiu-se, e boa parte dos textos virou resenhas e diários de leitura. Para mim, sem problemas. A coisa toma a forma que precisa. O que eu não poderia imaginar era que, menos de um ano depois,  conheceria tanta gente de lugares geográficos tão distantes, todavia de locais afetivos e intelectuais tão próximos. Se a internet está aí, que sirva para coisas tão boas como está sendo aproximar-me de pessoas que me deem ânimo para explorar paixões, para tocar projetos criativos, para travar contato com o novo.
Neste final de ano, com um grupo inimaginável de mulheres sensacionais, de que faço parte, orgulhoso, como o único representante dos indivíduos com cromossomo Y, serei o amigo secreto literário de uma delas. A preparação para essa troca tradicional em finais de ano está ensejando um diálogo intenso em canais como WhatsApp, Facebook e, origem de tudo, Instagram. Trocamos experiências de leitura, algo de que sinto muita falta na vida fora das redes sociais eletrônicas, e dicas sobre arte, sobre comunicação, e até sobre como assediar o tímido, admirado e charmoso escritor Daniel Galera.
Tudo que me aconteceu, até o presente, por conta do Palavra de Literatura, foi especial demais e consta da prateleira de dádivas de minha vida. Muito de intenso e até doloroso, outro tanto de inesperado e de apaziguador, tudo boa matéria-prima de vida.

09/11/2015

"Viva o povo brasileiro" - diário de leitura


Estou concentrado esta semana na leitura de Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro. É um livro que estava listado havia tempos, mas cuja leitura, como a de muitos outros que mourejam aqui nas estantes de casa, esperava sem prazo. Lembro o muito que li de elogios e de recomendações sobre esse livro, especialmente de uma rara entrevista em que Marista Monte o incluía entre os seus mais estimados. Finalmente, porque é objeto principal de estudo de uma disciplina que estou cursando como aluno especial no Mestrado em Literatura da UnB, peguei-o.
Sem muito tempo agora, que a madrugada já finda, e eu tive de prolongar a vigília por causa de uma gatinha branca que adotei recentemente para fazer companhia a Homero (o gato ruivo que figura na imagem de fundo do blog), compartilho, antes de deitar, que poucos livros me proporcionaram um prazer tão grande como o que sinto ao correr as páginas de Viva o povo brasileiro. João Ubaldo tem uma prosa finíssima, ao mesmo sofisticada, rebuscada e clara. Alterna magistralmente registros os mais diversos, como frases barrocas à Antonio Vieira e o português malemolente das pessoas escravizadas no Brasil. A paleta de vocabulário dele e a forma certeira como emprega cada termo é sensacional. Prazer semelhante senti talvez com O Romance da Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, e, mais recentemente, com O Evangelho segundo Jesus Cristo, de Saramago.
Não transcrevo agora, porque esta é para ser uma postagem curta, de minutos antes de dormir, mas logo trarei em nova postagem uns quatro trechos que me impressionaram particularmente; tanto, que tenho vontade de relê-los sempre, para o resto da vida.
João Ubaldo: depois de começar a ler Viva o povo brasileiro, quero ser ele!

Boa semana, com este entusiasmo de ler Viva o povo brasileiro!

* A gatinha a que me referi, escolhida em uma feira de adoção no sábado, aqui em Brasília, chama-se Penélope, em homenagem à personagem da Odisseia. A adaptação entre ela e Homero está em curso, eles estranham-se muito, mas já dá para notar que tendem a ficar próximos, mesmo que ainda não estejam se embolando e dormindo encangados.

07/11/2015

Satisfações de um início de novembro

Leitoras discretas, leitores silenciosos, tenho lido bastante, mas sobra pouco tecmpo para escrever. Neste mês de novembro, preciso ler a bibliografia de uma seleção de Mestrado, composta por livros teóricos da área de Literatura, os textos de uma disciplina que estou cursando como aluno especial, o romance Viva o povo brasileiro, para a mesma disciplina, além de uma monografia, a pedido de uma amiga. Na semana recém-finda, já tracei uma dissertação de Mestrado em História, porque seu autor, meu amigo, decidiu publicá-la em livro e pediu-me que escrevesse o texto da capa traseira. Fiquei bem feliz com a honraria, mas achei necessário ler o trabalho de ponta a ponta, para elaborar o melhor texto possível. 

***

Essas leituras todas, embora me agradem, têm prazos para cumprimento, o que manda para o final da fila todas aquelas que eu vinha fazendo meramente porque me deu na telha. Estão paradas Harry Potter and the Chamber of Secrets, Suicide and the Soul, Cangaços e História da morte no Ocidente. Acredito que será possível terminar todos até o final do ano, além de cumprir um pouco mais da meta de 2015, da qual me desviei bastante. Oportunamente comentarei cada livro desses, além de problematizar essa questão da meta. Foi o primeiro ano em que organizei uma com tanto detalhe, e não me frustro tanto, porque a vida já me ensinou que não é linear, e que os planejamentos devem gozar de certa flexibilidade, especialmente quando dizem respeito aos prazeres de nosso tempo livre.