18/04/2015

Brasiliana Fotográfica

O Instituto Moreira Salles e a Biblioteca Nacional publicaram esta semana, em parceria, um site de iconografia brasileira, o Brasiliana Fotográfica. Estão disponíveis agora, em um só lugar, com opção de busca temática, imagens históricas relacionadas à paisagem brasileira. Vale a pena visitar e explorar o material, que, até o presente, estava compilado em publicações em papel, seja de forma esparsa, em livros de história de mais alta qualidade, seja em edições de luxo pouco acessíveis.

Missa campal celebrada por ocasião da abolição da escravatura no Brasil.



17/04/2015

Meu remorso depois de "o remorso de baltazar serapião" - parte 2

(Continuação)

Minhas dívidas só se acumulam. No entanto, estou aqui, ainda não desertei. Vamos à segunda parte da longa apreciação de o remorso de baltazar serapião.

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Eu dizia que as relações de gênero são peça-chave nesse romance tramado por Valter Hugo Mãe. A regra é a mulher oprimida e violentamente esfolada, com requintes de crueldade chocante. A irmã de baltazar, brunilde, é levada para servir, em todos os sentidos imagináveis, dom afonso, o senhor das terras onde vive a família sarga. A mãe de baltazar anda torta e aleijada, porque o marido torceu-lhe propositadamente os ossos, de modo que ela não pudesse traí-lo, seja pela dificuldade de escapar, seja pela deformação que espantaria a cobiça masculina. Seu destino é aterrorizante.
A estonteantemente bela ermesinda casa com baltazar, porém a formosura excessiva dela, ao mesmo tempo que o cativa, desperta a cobiça de dom afonso. O marido apaixonado, depois de muito ansiar pelo casamento, depara com o dilema: não pode aceitar a desonra do chifre e a humilhação do amor maculado pela presença de outro homem, todavia falta-lhe a ousadia para contrapor-se a seu senhor, ou para levar ermesinda para longe e iniciar nova vida. O remorso de baltazar, pode-se dizer que é parido por sua grande covardia.
Os abusos e os arbítrios são cometidos ao longo de uma cadeia de opressores e de oprimidos que se tornam opressores para quem está no degrau logo abaixo. A malfadada ermesinda, que gradativamente se entroncha pela violência de baltazar, repetindo a sina da sogra, é provavelmente o elo mais fraco da corrente. A degradação de ermesinda, que quase não tem voz, que mal se defende, que parece tão indefesa nesse meio, a ponto de não conseguir sequer negar que seja obrigada a transar com o senhor das terras, eu dizia que a degradação dela é sufocante demais, uma história de terror. É estropiada, sem que baltazar a socorra nem a proteja, como deveria ocorrer, mas ao contrário.

a minha ermesinda já tinha pé torto virado para dentro, braço que não baixava com mão apontada para céu, outro braço flácido e sem mão a partir de pulso, mais olhos esquerdo nenhum, só direito. era como estava, mas nada verdade que vantagem sua se apagasse, estava de curvas mantida, pele macia, o cabelo longo e claro, lábios cheios.

Talvez se possa considerar que há uma heroína na história. Ela é um foco de resistência feminina. É insolente, não se enquadra. O narrador refere-se a ela, quase sempre, como a mulher queimada. Considerada bruxa, vivia isolada, porque não quis outro homem, depois das mortes dos seus. A comunidade acusa-a de tê-los matado. Escondidos dos poderes estabelecidos - o padre, no âmbito religioso, e dom afonso, no âmbito secular -, os moradores do local ateiam fogo em Gertrudes. Ela sobrevive e passa a vagar pelas penumbras, até que baltazar, compadecido, aceita levá-la em uma viagem, para que possa retomar a vida alhures, como esmoler. No meio do caminho, desentendem-se, e aí está a origem de uma maldição que vai acompanhar o protagonista até o fim da narrativa.

e todos escondiam de el-rei o caso da mulher queimada. nenhuma condenação haveria de nos ser conhecida. como se nenhuma mulher cozinhasse ali coisas más e houvesse sido queimada contra decisão das pessoas superiores.

nada normal para mim que recuso ser de homem, nada quero que homem algum me toque. e porque te casaste. sempre fui casada por pais ou homens que me mandassem, mulher solteira é má de vida e fica sem trabalho nem amizades.

Eu estou estendendo esta postagem, sei que precisa terminar, contudo teria muito mais a dizer sobre o livro. Não posso deixar de comentar a linguagem singularíssima entretecida por Valter Hugo Mãe. Além das imagens poéticas que já me haviam aparecido em a desumanização, surpreendeu-me uma prosa com sintaxe muito própria, meio barroca, meio oral, que lembra muito o estilo de Guimarães Rosa, mas, diferentemente desse, não vem marcada pelo vocabulário regional pujante nem pelos truncamentos sintáticos da fala do jagunço Riobaldo.

manhã cedo o sol nos acorda, estava nossa cara acesa onde incidia como instrumento picando pedra.

Concluo este texto com uma incômoda sensação de incompletude. Faltou muito. Falta, inclusive, reler essa obra e prestar mais atenção aos meandros que uma primeira leitura não permite notar. E isso é característica de obra destinada ao futuro, fadada a virar clássico e a se perpetuar defronte dos olhos de muitas gerações. 

09/04/2015

Meu remorso depois de "o remorso de baltazar serapião" - parte 1

Depois de terminar minha primeira leitura de Valter Hugo Mãe, A desumanização, não fiquei convencido. Como comentei nas postagens a respeito do livro, achei que o autor era talentoso em construir imagens de grande qualidade literária, mas o conjunto da obra ou sua virtude como romance ficava a desejar.
Foi essa notável qualidade das imagens criadas por Valter Hugo Mãe, aliada ao entusiasmo de duas amigas virtuais cujo gosto respeito muito, que me levou a, tão logo terminado o primeiro, entabular a leitura do segundo, o remorso de baltazar serapião, que comprei, porque não achei a máquina de fazer espanhóis na ocasião em que fui à Livraria Cultura.

06/04/2015

Livros versus e-books

Acabei de deparar com um videozinho bem bacana produzido pela editora Intrínseca sobre as vantagens e as desvantagens de e-books e de livros. Eu acho a convivência entre os dois formatos plenamente possível e desejável. Cada qual pode ter sua utilidade. Eu mesmo tenho o mesmo livro nos dois formatos.


Retorno das férias

Voltei hoje a Brasília de pouco mais de duas semanas de férias na Paraíba. Acabaram as férias, a vagabundagem e o descaso com a atualização do blog, que não tem novidades desde 23 de março. A família lá é grande, e a programação, intensa, por isso rogo a compreensão dos poucos mas valorosos leitores que, ao retornar ao Palavra de Literatura, deram com o nariz em uma postagem cheia de teias de aranha e de poeira repetidas vezes.

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Até o final desta semana, haverá texto sobre o remorso de baltazar serapião. Como escrevi apenas uma postagem à guisa de diário de leitura, meu comentário sobre o livro deve ser mais comprido. Ainda não sei se publicarei todo de uma vez, ou se o fracionarei, para torná-lo mais palatável. De quebra, posso inflacionar artificialmente a estatística de postagens e fazer pose de blogueiro diligente. Gostei muito desse romance de Valter Hugo Mãe e já comprei a máquina de fazer espanhóis. Espero lê-lo ainda este ano.

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Escreverei também sobre o livro Breves narrativas diplomáticas, que terminei de ler nessas férias. Será meio que um ponto fora da curva, porque priorizo literatura stricto sensu no Palavra de Literatura. Não vai doer, no entanto, se eu escrever rapidamente sobre esse. Servirá também para superfaturar as postagens e para ampliar um pouco o escopo do blog, sem sair do mundo dos livros. As leitoras sempre têm a opção de ignorar, mesmo antes de ler, embora eu preze bastante a atenção de todas.
 
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Já estou lendo o segundo volume da biografia de Getúlio Vargas escrita por Lira Neto. Cobre o período de 1930, quando Getúlio assume o poder depois de um golpe, chamado por alguns de revolução, até 1945, quando o próprio Vargas é defenestrado da Presidência da República. Lira Neto é um mestre do gênero biográfico. É claro e direto, sem ser banal ou simplório. Consegue escrever uma prosa elegante e agradável, sem prejudicar a legibilidade e a informatividade que se espera de uma biografia. A pesquisa que ele realizou, e eu pude avaliar no primeiro volume, demonstra, até o momento, a mesma qualidade e o mesmo rigor no segundo. Acho que terei oportunidade de escrever um diário de leitura e lá o comentarei mais detidamente.
 
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 Talvez ninguém lembre, mas prometi umas postagens sobre aspectos específicos do Memorial de Aires. Esses textos estão em construção, contudo são mais longos do que os demais do blog, por isso a demora. Não desisti: sairão à luz cedo ou tarde.