27/10/2016

"Azul corvo", de Adriana Lisboa - Diário de leitura

Estou quase terminando de ler Azul corvo, o único dos cinco romances adultos de Adriana Lisboa que ainda não havia lido. Dizer "romance adulto" faz parecer que o livro traz cenas tórridas de sexo explícito, mas não é o caso. É, na verdade, para diferenciar do infanto-juvenil O coração às vezes pára de bater, da editora Rocco, que só hoje descobri.

Não vim esgotar Azul corvo, mas só compartilhar como estou gostando da personagem Fernando, o "pai" da narradora, Vanja. Essas aspas em torno de "pai" serão facilmente entendidas por quem ler o livro. Trata-se de uma relação sofisticadamente bela, sobre a qual pretendo escrever depois aqui. Fernando foi casado com a mãe de Vanja e, depois de separados, topou registrá-la como filha. Morre Suzana, a mãe de Vanja, e a garota de 13 anos resolve mudar-se para os Estados Unidos para, com a ajuda do pai pró-forma, encontrar o biológico.

Fernando remeteu-me ao protagonista de Barba ensopada de sangue e a David, personagem de outro romance escrito por Adriana Lisboa, Hanói. Faz parte de um grupo cujo perfil me é particularmente querido, ao mesmo tempo estoico, com carapaça de dureza e de abnegação em relação às vicissitudes do mundo, porém deixando escapar um afeto semiárido, como a flor do mandacaru, como a prosa de Graciliano e como a poética de João Cabral, todos de rara e enxuta beleza. 

06/10/2016

Resenha-parágrafo - "Um beijo de colombina", de Adriana Lisboa

Avaliação: ***

Só não li da autora até agora Azul Corvo, e Um beijo de colombina foi o de que menos gostei. O argumento do livro é bom, mas a história foi perdendo o interesse do meio para o fim, até que, no último capítulo, houve uma compensação. O narrador do livro vive com uma escritora que, em uma das vezes em que vai nadar no mar, perto da casa de praia que alugam juntos, desaparece, e ele passa a vivenciar um processo de luto por essa perda. Para tentar superar, começa também a escrever. O livro, por isso, tem vários trechos metalinguísticos bacanas, em que o ofício da escrita é objeto de reflexões e de comentários. Os capítulos são organizados em referência a poemas de Manuel Bandeira, cujas vida e obra têm presença preponderante no romance. Se não gostar de "spoiler", pare de ler aqui... Recorde-se que Manuel Bandeira contraiu tuberculose na juventude e teve a morte como certa para pouco tempo à frente, todavia foi um dos escritores mais longevos de sua geração. Esse é um dos pontos em que a biografia do poeta toca a trama do livro.

30/09/2016

Resenha-parágrafo - "Hanói", de Adriana Lisboa

Ando sumido, eu sei. Tenho pensado em como recuperar a regularidade nas postagens deste blog, porque ainda quero bem a ele e continuo convencido de seu proveito para mim; não tanto, como sempre, do valor dele para os outros. Tive agora a ideia de facilitar a frequência das postagens impondo-me um desafio simples: escrever um parágrafo sobre livros que eu ler, visto que textos mais longos exigem mais tempo e dedicação do que tenho sido capaz de reservar. Vejamos como me saio.

Hanói, de Adriana Lisboa

David, um homem de seus trinta anos, músico diletante, ocupante de um emprego banal, recentemente abandonado pela namorada, recebe do médico a notícia de que vai morrer em poucos meses. Em meio às iniciativas que toma para despedir-se da existência, como distribuir os poucos bens contidos em seu apartamento, conhece Alex, descendente de vietnamitas imigrados para os Estados Unidos, caixa de um mercadinho de bairro e mãe solo de um garoto. O encontro dos dois é especialmente problemático pela dúvida sobre se é plausível e desejável um envolvimento amoroso cujo prazo de validade está prestes a vencer pela morte iminente de uma das partes. O que poderia ser um dramalhão ou um fardo emocional é representado por Adriana Lisboa com uma limpidez e uma serenidade que nos fazem deparar com a tristeza e com o implacável de uma forma terna. Pessoalmente, sinto saudades das personagens e de sua convivência. 

Avaliação: ****

29/09/2016

"Meus desacontecimentos", de Eliane Brum - resenha


Avaliação: ****


Quando leio algo escrito por Eliane Brum, tenho a sensação de que vou me desequilibrar e cair no próximo passo. Um pouco de vertigem. Por incrível que pareça, a sensação é boa, porque a tensão vem de uma ameaça a minha zona de conforto. Ao mesmo tempo, dado o passo arriscado, transposta uma frase, transcorrido um parágrafo, é comum sentir que descobri ou elucidei uma parte de mim que estava guardada, confusa, enevoada. Não sou jogado para fora da zona de conforto com um golpe maldoso, mas sou conduzido, sorrateira e suavemente, para fora dela, como que por uma sábia feiticeira que quisesse me ensinar não apenas com a cognição, mas também com outros aspectos da alma, aqueles a que escrita literária dá acesso de forma privilegiada. Ler Eliane Brum sempre me deixa melhor do que era.
Por essa experiência com o texto da escritora, decidi provar um de seus livros. Procurei o que havia disponível no "Kindle Unlimited", a assinatura de livros oferecida pela Amazon, nos moldes do Netflix, e encontrei Uma, duas, uma ficção de que já ouvira falar, e Meus desacontecimentos, cujo subtítulo prometia contar à história da autora com as palavras. Eu sempre me interesso pelos bastidores da vida de quem escreve. Uma bisbilhotice boa. Quero saber as circunstâncias que levam alguém a criar e a publicar, a estabelecer uma comunicação carregada de inteligência estética com pessoas desconhecidas. Deixei Uma, duas para depois. Queria mitigar o risco de me desgostar naquela empreitada de aproximação da escrita de Eliane Brum, agora em livro. Meus desacontecimentos prometia ser algo mais próximo ao tipo de texto da autora com o qual eu estava habituado. 
A subjetividade de Eliane Brum está muito presente no texto do livro, mas, ao representar seus meandros, a autora conecta-se com a gente e nos representa também. O tipo de sofrimento relacionado à dificuldade de estar no mundo é universal, e Eliane Brum nos toca muito bem com a revelação de seus casos. Na obra, ela conta o que escrever significou para ela, como foram definidos seus marcos do estar no mundo e seus compromissos éticos com o jornalismo e com a literatura. Sua preocupação humanista, o olhar atento e sensível para as questões vinculadas à condição das minorias sociais, sua espécie de sacerdócio ou de profissão de fé com a escrita: tudo isso vai historiado e bem exposto no livro.

Seguem meus trechos preferidos, organizados tematicamente:

Relação com as palavras








Existência humana







Preocupação social e realidade brasileira






A história com a menina de rua

(A sequência em que Eliane Brum conta sua história com uma menina de rua que lhe pareceu ameaçadora ao primeiro contato me chamou especialmente a atenção. Nela se representa muito bem a falácia daquilo que, no Brasil, alguns estratos sociais costumam chamar de meritocracia, mas não passa de discurso autorreferenciado e consagrador de privilégios. Essa parte da história é tão dolorosa quanto necessária.)




Condição feminina

03/05/2016

Pra não sumir por mais de um mês

Que bonito para minha cara passar um mês inteiro, abril, sem postar nada aqui. Acho que nunca antes na história deste blog isso acontecera. Além de mim, cerca de nenhuma pessoa deve ter notado, mas vou até o fim, em desafio ao decreto do tal anjo safado de que fala Chico Buarque.

Abril foi um mês histórico, principalmente no mal sentido. Li muito menos do que gostaria e não terminei nenhum livro. Danei-me a consumir com os olhos, a mente e o coração várias obras ao mesmo tempo, pela inquietação com essa realidade cada vez mais vertiginosamente incompreensível e atemorizante. Fora isso, leituras de textos e de artigos diversos para o Mestrado e para a compreensão da mesma realidade surreal já mencionada. Viajei a São Paulo e à Paraíba, dediquei-me com afinco a curtir um pouco no estilo "carpe diem".

Estou lendo: 
a) "Notícias do Planalto: imprensa e poder nos anos Collor", de Mario Sergio Conti;
b) "À margem do abismo: conflitos na política brasileira", de Wanderley Guilherme dos Santos;
c) "O tempo e o cão", de Maria Rita Kehl;
d) "La chambre bleue", de Georges Simenon (estacionado há semanas);
e) "Harry Potter and the goblet of fire", de J. K. Rowling (a passos de tartaruga).

Volto a dar notícias em breve.

14/03/2016

Encontros com ares de reencontro: duas pessoas que conheci em viagem a São Paulo

O Palavra de Literatura completou um ano em janeiro de 2016. Nesse período, os frutos principais do projeto não foram aqueles que eu almejava quando o iniciei. Em postagem anterior, já mencionei uma série de pessoas que conheci por intermédio dessa presença virtual regular em torno dos livros. No último fim de semana, estive em São Paulo para o festival Lollapalooza, e, na ocasião, pude encontrar pessoalmente duas dessas pessoas.
Um dos primeiros contatos que fiz pelo blog foi com Marcela Yoneda, cujo blog indiquei aqui no passado, em virtude das crônicas deliciosas que ela publica. Trocamos e-mails e fomos nos aproximando pelas redes sociais. A troca de palavras não foi sempre constante, mas, até pelo contato que Mar estabeleceu comigo ao saber que eu iria a São Paulo, confirma-se que são mútuos o carinho, a admiração e uma intuição de que somos almas que vibram em sintonia, em frequências muito afins. 
Combinamos de nos dar "oi" na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, o templo-mor dos bibliófilos nacionais, na Avenida Paulista. Eu já havia acertado de encontrar lá também Thais Vitale, que toca o perfil Literatura News no Instagram. Quando estava lá fuçando estantes e, alternadamente, procurando uma das duas, dei de cara com Marcela me dirigindo um olhar hesitante, com seu jeito de Amélie Poulain. Depois de uns segundos de olhares congelados aguardando um sinal de reconhecimento, aproximamo-nos e começou a celebração. Poucos minutos depois, Thais agregou-se a nós, e assunto não faltou.

Marcela, como havia me prevenido, não pôde passar mais do que um quarto de hora com a gente. Os três tomamos café na Livraria Cultura mesmo, sem momentos de silêncio, até que ficamos desfalcados da cronista com ares de Amélie, meio ágil, meio lírica, meio coelho de Alice indo embora porque era tarde. Marcela que me desculpe se estou passando dos limites, mas ela também dá a sensação de ser um passarinho ainda pouco crescido que a gente quer proteger na curva da mão, mas sai voando para reaparecer três dias depois. Eu quero um livro de crônicas de Marcela autografado em minhas mãos e diante de meus olhos quanto antes!

Thais e eu continuamos lá. Ela foi mais prevenida que eu. Levou-me de presente um livro de Valter Hugo Mãe sobre uma personagem que quer ser pai, O filho de mil homens. Teve o cuidado de checar o perfil do Palavra de Literatura no Instagram, para reduzir a probabilidade de dar-me um exemplar repetido. Eu pretendia também comprar um presente livresco para ela, mas não fui tão previdente, para minha vergonha. Levei no bolso um marcador que comprei, um dia antes, no MASP, com reprodução de uma obra de Monet, e planejava entregá-lo dentro do livro de presente. Não deixaria, porém, de suprir minha vontade de dar-lhe uma lembrança e de retribuir a gentileza e comprei a edição de contos de Tchekhov da CosacNaify para ela. Trocamos dedicatórias e conversamos, conversamos, conversamos, até que meu namorado chegou para me convocar de volta para a programação regular da viagem.
Eis a vida em sua manifestação mais vibrante: o encontro de pessoas, a troca de gentilezas, o intercâmbio de bons afetos, a mitigação da solidão no mundo, tudo isso inesperado, como encontrar uma fotografia da infância dentro de um livro há muito escondido na prateleira.

21/02/2016

"Persépolis", de Marjane Satrapi

Terminei recentemente um livro em quadrinhos, o já famosinho "Persépolis", da iraniana Marjane Satrapi. Esse livro eu ganhei em um amigo secreto organizado entre um grupo de pessoas que escrevem e falam sobre livros nas redes sociais. Lá no canal no YouTube, lançado há uns dois meses, publiquei um vídeo sobre a obra, por isso vou deixar aqui para quem quiser assistir e farei uma lista de dez motivos por que acho que "Persépolis" deve ser lido.


Você deve ler "Persépolis" porque...

  1. é uma narrativa muito bem alinhavada, cativante e prazerosa;
  2. é uma história autobiográfica de uma pessoa cujas circunstâncias pessoais, usadas como eixo do que se conta, permitem revelar muitas facetas da realidade regional e da alma humana;
  3. os desenhos são bonitos, simples, no sentido difícil de se atingir, muito expressivos, como deve ser, acho, uma boa HQ;
  4. condensa muita informação sobre uma área importante para a geopolítica mundial;
  5. conjuga aspectos privados e públicos de uma vida vivida em contexto de conflitos nacionais e internacionais;
  6. ajuda a desfazer estereótipos e a combater a desinformação gerada pela hegemonia eurocêntrica da imprensa sobre o Irã e sobre o Oriente Médio;
  7. mostra as contradições de processos políticos complexos e os erros corriqueiros mesmo de quem está do lado tido como certo das disputas;
  8. representa a visão da mesma personagem, na infância, na adolescência e na fase adulta, sobre questões de caráter público, sobre as repercussões desses acontecimentos nas decisões pessoais, sobre o estilo de vida etc, em um amadurecimento progressivo que pode ser acompanhado, em seu desenvolvimento, pelo leitor;
  9. é um livro escrito e desenhado por uma mulher artista iraniana que viveu parte importante da história do seu país, onde as mulheres e a arte não tinham grande margem para florescer, e pode contá-la de fora e de dentro ao mesmo tempo.


01/02/2016

"Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban" - diário de leitura 2

Estou perto de 70% da leitura de Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban. Incorporando o espírito do "Projeto Plataforma 9 3/4", vim fazer ligeiras observações sobre episódios que li de ontem para hoje.

***

Quadribol e dementadores

O jogo de quadribol contra Corvinal ("Ravenclaw") foi particularmente emocionante. Depois do que aconteceu na primeira partida do campeonato, disputada contra Lufa-lufa ("Huflepuff"), era grande a expectativa em relação ao desempenho do herói Harry Potter. O professor Lupin, uma figura um tanto ambígua para mim até este ponto da leitura, gastou algum tempo instruindo Harry, apanhador do time de Grifinória, sobre como neutralizar o efeito dos dementadores sobre si. A dúvida acerca do êxito dessa preparação é um dos pontos de tensão, além de toda a expectativa em relação ao resultado da partida, tão importante, no campeonato anual, para o time da casa Grifinória, que, convenhamos, não poderia deixar de ser a queridinha de qualquer pessoa normal que leia a série. O final dessa passagem, além de resolver os nós dramáticos apertados por toda a expectativa mencionada, traz uma surpresa que é, ao mesmo tempo, um pouco frustrante e bastante agradável para quem acumula, com razão, raiva de Draco Malfoy.

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Aula de Adivinhação

O ceticismo de Hermione e de seus amigos em relação às aulas de Adivinhação é particularmente curioso em um universo todo permeado por seres míticos e por magia, elementos que são motivo de ceticismo aqui no mundo real, fora da série "Harry Potter". Assim como há, para nós, áreas da ciência tidas como mais científicas do que outras, como a Física em relação à Sociologia e a muitas áreas da Psicologia, ocorre diferenciação semelhante na diegese* do livro entre Aritmância e Adivinhação.

*Diegese é um termo grego aproveitado pela teoria da narrativa para designar a realidade ou o mundo próprio de uma obra narrativa de ficção, com sua coerência interna, suas regras e todas as características explícitas e implícitas dessa realidade decorrentes da construção engendrada pela autora.

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A relação entre Hermione e os dois meninos

A introdução de Hermione no trio formado por ela, Harry e Ron foi problemática. Inicialmente, os dois repeliam-na, mas a amizade formou-se ainda no primeiro volume da série. Não me lembro de ter havido conflitos significativos no segundo livro, exceto por algumas discordâncias facilmente sanadas, normalmente relacionadas à disciplina e à dedicação de Hermione em choque com a frouxidão de conduta e a molecagem dos dois pirralhos. Em Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban, há uma desinteligência forte entre esses dois pólos, e Hermione aproxima-se e afasta-se dos dois meninos mais de uma vez. Ela toma decisões unilaterais que podem ser consideradas como quebra de confiança e como autoritarismo por alguns leitores, mas também podem ser reputadas justas e muito corretas por leitores como eu, quando sacrifica sua zona de conforto para garantir a segurança e a permanência de Potter e Weasley em Hogwarts. A esse respeito, a lição de moral que o professor Lupin dá em Harry, depois de livrá-lo de uma enrascada com Severus Snape, é devastadora. Até Snape, sem a mesma sensibilidade, deu uma lição de moral em Harry um pouco antes de Lupin, quando comentou que o menino esnobava todo o esforço que as pessoas comuns estavam fazendo para garantir sua integridade e sua segurança, enquanto ele, "o famoso Harry Potter", lançava-se em aventuras irresponsáveis que, de certa forma, poderiam ser interpretadas como um desprezo pela preocupação dos outros com ele.

Para saber mais sobre o "Projeto Plataforma 9 3/4", basta clicar na etiqueta de mesmo nome abaixo desta postagem.

Projeto de leitura Plataforma 9 3/4


Várias pessoas que usam redes sociais para trocar experiências de leitura aderem a projetos. Normalmente definem uma meta geral para o ano e, dentro dela, traçam objetivos mais específicos, que podem consistir em ler determinado número de livros de uma autora, sobre um tema, com recorte de gênero ou de nacionalidade etc. Por exemplo: ler os romances de Clarice Lispector, ler dez livros escritos por mulheres diferentes, ler cinco autores russos, ler sete livros de contos. 
É comum também que as pessoas compartilhem os projetos, adiram a um inventado por outra pessoa, e, a partir daí, comentem, discutam, interajam em torno dele. Pela primeira vez aqui no Palavra de Literatura, participarei de um projeto que converge com minha meta preestabelecida de ler a série Harry Potter. Fiquei sabendo da iniciativa de Bárbara L, do blog Livros de Calla, por meio do blog de Ana, o Leia Ana, Leia. O nome que Bárbara deu foi Projeto de Leitura Plataforma 9 3/4, em referência ao local por onde se embarca no trem que leva os alunos de volta das férias para Hogwarts, a bem famosa escola de magia e de bruxaria. Nos links indicados, estão descritas as regras de como participar.
Comecei a leitura da série em julho do ano passado, então, já entro no projeto com parte do trabalho realizado. Inseri nas postagens que fiz a respeito dos livros já lidos a etiqueta "Projeto Plataforma 9 3/4", que pode ser encontrada na longa lista, em ordem alfabética, à direita de sua tela. Clicando a etiqueta, aparecerão todos os textos com comentários, com impressões e com citações de Harry Potter e a pedra filosofal, de Harry Potter e a câmara secreta e, ainda por terminar, de Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban. Se alguém quiser ler junto, basta avisar, que a gente troca figurinhas, e eu indico aqui o link para o respectivo blog.

28/01/2016

"Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban" - diário de leitura

Em julho do ano passado, comecei a leitura da série Harry Potter. Estou lendo na medida do possível, porque outras leituras se intercalam, seja por vontade, seja por obrigação. Logo em seguida, assisto ao filme correspondente, o que tem sido uma experiência interessante. Com a memória fresca sobre a trama literária, tenho condições de notar as soluções encontradas para transpor a narrativa de uma linguagem para outra, com condensações, com supressões e com outros recursos de adaptação. Também é divertido comparar o que imaginei dos ambientes e das personagens descritas em linguagem verbal com o que foi criado e reproduzido em imagem pela equipe de produção cinematográfica. No geral, tenho achado muito boas as soluções.


***


Neste final de janeiro, adentrei as páginas do terceiro volume da séria, Harry Potter and the prisoner of Azkaban. A fórmula é a mesma: início com os sofrimentos de Harry junto à família de trouxas que o criam e a ansiedade pelo retorno a Hogwarts, geralmente com a intercorrência de algo que ameace essa volta; compra de material escolar e reencontro com Ron e Hermione, os dois amigos próximos; paulatina apresentação do vilão da vez, a figura cuja identidade e cujos métodos vão sendo revelados aos poucos, tanto para leitoras como para as personagens principais. Pelo menos, é assim que ocorre nos três primeiros livros com os quais já travei contato. Não fosse a criatividade de Rowling para engendrar e caracterizar bem um mundo próprio, a fórmula apresentada seria bem cansativa. 
Entre os exemplos de invenções instigantes da autora, estão os livros didáticos indicados por Hagrid em seu primeiro ano como professor, oportunidade surgida para ele após Harry e seus amigos terem esclarecido, no livro 2, um episódio do passado de Hagrid que motivara a expulsão deste da escola. São livros sobre como cuidar de criaturas mágicas. Na livraria, os exemplares ficam engaiolados, em luta selvagem entre si, e os livreiros precisam usar luva e uma espécie de pinça grande para entregá-los aos consumidores. O livreiro fica bastante aliviado, quando Harry avisa que já possui um exemplar, porque não precisará enfrentar a fúria dos livros animalescos.


Neste terceiro volume da série, outra situação que me pareceu muito criativa foi a primeira aula com a Professora Trelawney, de artes adivinhatórias. É cômico uma professora desse tipo de matéria apresentando o programa de aulas para o ano à frente, porque ela prevê, por exemplo, que as aulas serão interrompidas em fevereiro, em virtude de um surto de gripe que afetará, inclusive, sua voz. A autora aproveita essa circunstância especial da personagem para inflamar o suspense que, pelo menos até este livro, é sempre criado: displicente, como mais um ponto do calendário letivo, a professora dispara que, infelizmente, alguém dali deixará o grupo para sempre.
Por ora, é isso. Volto depois com mais impressões dessa leitura, caso me sinta motivado a tal. Alguém que já tenha lido toda a série tem um predileto entre os livros?

18/01/2016

Aniversário do "Palavra de Literatura"

O blogueiro voltando ao trabalho, depois de quase um mês de folga.

Estou de volta a Brasília, depois das férias na Paraíba. Ontem o Palavra de Literatura completou um ano de existência. Em 17 de janeiro de 2015, saiu a primeira postagem no blog, dias depois de iniciado o perfil no Instagram. Acabei de reler o primeiro texto publicado aqui e os comentários de primeira hora, muito simpáticos, incentivadores, pelos quais agradeço. Tratava-se de uma espécie de programa de intenções, em que eu divisava o que seria o objetivo do blog.

Passado o primeiro ano, a impressão que tenho é de que o blog desviou-se um tanto do projeto inicial. A ideia primordial de colecionar palavras insólitas encontradas nas leituras ficou em segundo plano, e as publicações assumiram feições de resenha e de diário pessoal. Parte da meta também era fazer registros de meu ano, comprometer-me a escrever, a praticar o gesto de alinhavar momentos e lampejos em palavras escritas. Isso foi obtido em 88 postagens de tamanho e de teor variáveis. 

A experiência de acumular textos de autoria própria e retornar a eles sempre me foi muito instrutiva. Ensina sobre o tempo dentro da gente: o que de nós muda e o que permanece. Interessantíssimo também é voltar a algo que se fez e não se reconhecer, surpreender-se com o fato de que aquilo lhe saiu da mente e, no jeito de escrever mais atual, da ponta dos dedos. Vislumbrar o estranho que nos habitou, ou sentir-se um estranho dentro daquele que somos, é, entre outros ensinamentos, uma lição de alteridade, de que o mundo tanto precisa, e eu também.

Em 2016, continuo por aqui. Gostaria de retomar mais postagens com as palavras insólitas, que, como mencionado na inauguração do blog:

expressam situações, sentimentos, conceitos, objetos, colecionar palavras raras é uma maneira de, ao mesmo tempo, coletar e desencavar situações insólitas, sentimentos muliados, conceitos heteróclitos, objetos desvezados. É um jeito de enriquecer nossa experiência do mundo.

Por outro lado, como o Palavra de Literatura é muito exercício de liberdade, experimento e lazer para mim, não me preocupo em ater-me demais a amarras. Já sou muito contido na vida real, mais do que aqui, e estou procurando reequilibrar isso lá também. Continuarei a fazer registros, pretendo compartilhar a experiência do Mestrado em Literatura, agora como aluno efetivo, e seguirei com os trechos, com as resenhas e com os diários de leitura dos livros que ler. Aqui e ali, deve aparecer comentário sobre filme.

No final das contas, escrevo para mim mesmo em primeiro lugar, porque leitores mal aparecem por estas plagas, muito menos que se manifestem. Os que estão aí do outro lado me são muito caros, e eu adoraria receber notícias, seja por comentários, seja por e-mail: palavradeliteratura@hotmail.com.

13/01/2016

Livraria do Luiz

Ontem visitei a Livraria do Luiz, e foi uma redenção. Buscava livros de autores paraibanos, e o melhor lugar para garimpá-los atualmente, na capital do Estado, é lá. O atendimento está diligente, pode-se tomar um espresso São Braz enquanto se folheiam os livros pré-selecionados, e o ambiente parece bem apresentável. Antes ou depois de cavoucar estantes, tem-se a oportunidade de circular pelas calçadas do Centro, de rever as fachadas do Palácio da Redenção, da faculdade de Direito, do Tribunal de Justiça e a mais moderna da Assembleia. Ir lá é também uma forma de homenagear a memória de Augusto dos Anjos, cujo busto preside à entrada da galeria que leva seu nome e abriga a livraria.

Palácio da Redenção e parte da fachada da faculdade de Direito vistos da Praça João Pessoa.



O beijo de Maria José Limeira

Senhoras e senhores, continuo de férias na Paraíba, minha terra natal. Ontem, terça-feira, fui ao Centro e fiz uma farra bibliófila. Limpei parte das estantes de meu antigo quarto, onde restaram muitos livros que não era prioridade levar para Brasília, e troquei, no Sebo Cultural, por obras de autores paraibanos. Depois passei na tradicionalíssima Livraria do Luiz, loja de rua, fora de Shopping Center, felizmente revitalizada, aparentemente salva da falência para a qual demonstrava caminhar, e comprei outros livros de autores conterrâneos.  Como as produções regionais quase não circulam nas livrarias de Brasília, priorizei essas compras.
Adquiri três livros de Maria José Limeira, que era prima legítima de meu avô materno. Aqui na Paraíba, primo legítimo não se contrapõe a bastardo ou ilegítimo, como alguns amigos pensam ao ouvir o termo, de chofre, em Brasília. É o primo-irmão do Rio de Janeiro, o primo básico. Zezé Limeira tem uma obra interessantíssima, de grande qualidade, tanto em prosa quanto em poesia. Ela enfia a faca nas vísceras da gente.
Estava aqui, madrugada à solta, folheando o Crônicas do amanhecer, da citada autora, e deparei com um texto sobre o beijo, "Beijar é bom e eu gosto". É um dos muitos textos em prosa poética de Maria José Limeira. Começa assim: "Eu quero agarrar o instante, quando o beijo nos reuniu, e você fala em adeus".
Vocês, que não me leem, guardam a lembrança de algum beijo-síntese? Algum beijo, por exemplo, represado até o último instante contra uma vontade avassaladora de beijar, até que o beijo aconteceu como o rompimento da barragem em Mariana e deixou um rastro de destruição que, segundo as projeções, deve imprimir danos de décadas por onde se alastrou?
A boa literatura faz isso com a gente.

07/01/2016

Balanço de 2015: os livros com nota máxima

Uma vantagem que aplicativos como o Goodreads e o Skoob oferecem a seus usuários leitores, além da interação ao estilo de rede social com outras pessoas, é a possibilidade de organizar e de registrar as leituras, de maneira que o usuário possa refletir sobre elas. Estava vendo há pouco meu balanço de livros lidos em 2015 e pude verificar quantos receberam cinco, quatro, três ou duas estrelas em minha avaliação, por exemplo. Noto que um ou outro mexeu comigo em retrospectiva, passados meses do término da leitura, como não pareceu me mover imediatamente após consumida a última página. Visualizando o conjunto de obras por avaliação dada por mim, ocorreu-me que talvez mudasse o arranjo e melhorasse algumas, ou rebaixasse outras.
Quando li Barba ensopada de sangue, em 2014, embora gostasse demais da companhia do narrador criado por Daniel Galera, a ponto de atravessar o livro a goles generosos e sôfregos, não achei que merecesse cinco estrelas. Lembro que considerei Dois irmãos, lido imediatamente antes, mais merecedor dessa avaliação. Tempos depois, sinto muita vontade de voltar ao Barba, uma saudade daquele ritmo, daquelas personagens, da ambiência, do constante sentimento de estranhamento que perpassa todo o livro, mas não sei que relerei o romance de Hatoum que lhe pareceu superior.
Esse exercício de reflexão proporcionado pelo registro e pela avaliação das leituras de um período mostra como a recepção de uma obra ficcional oscila na gente. A partir dessa constatação, pode-se questionar o que determina a variação de percepção. A gente pode ter mudado, depois de um ano, e o que pareciam critérios importantes, ao avaliar o livro logo após lê-lo, esmaece, perde valor.  O próprio livro recém-lido tem potencial de mudar a gente no sentido de seus valores e de sua coerência própria, mas a transformação não se dá logo em seguida à leitura: pode reverberar no leitor ainda algum tempo, inclusive imperceptivelmente.
Dos 35 livros que li em 2015, atribuí cinco estrelas a 13, os seguintes, sem hierarquia entre eles:

Ficção

1. Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro
2. O evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago
3. Memorial de Aires, de Machado de Assis
4. Harry Potter e a pedra filosofal, de J.K. Rowling
5. O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos
6. Bartleby, the scrivener, de Herman Melville
7. O livro das mil e uma noites, v. 1 - Ramo sírio, traduzido por Mamede Mustafa Jarouche


Não-ficção

1. Jung: o mapa da alma, de Murray Stein
2. O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro
3. História da morte no Ocidente, de Philippe Ariès
4. A menina sem estrela, de Nelson Rodrigues
5. Teoria das Relações Internacionais, de João Pontes Nogueira e de Nizar Mesari
6. 18 dias, de Matias Spektor