15/07/2015

"Harry Potter e a Pedra Filosofal" - Diário de Leitura 1

Entre os livros que estou lendo, mencionados em postagens recentes, está, inesperadamente para mim e para alguns que me conhecem, Harry Potter e a Pedra Filosofal. Passei da metade na manhã de sábado, 11 de julho. Conheço gente de todas as idades que leram o best-seller, pessoas com interesses variados, com ambições intelectuais bem díspares também. Nunca tive vontade de ler a série, tampouco assisti, na íntegra, a qualquer um dos filmes inspirados nela.

O livro é simpático, a estória e o modo como é contada não me irritam - como imagino que ocorreria, caso tentasse ler outras obras de literatura infanto-juvenil -, mas certamente não é o tipo de escrita que mais me interessa. Resolvi ler, pelo menos, um Harry Potter, mais por interesse pelas pessoas que leram - gente demais! - do que pelo prazer que a obra me proporcionaria diretamente. 

Uma coisa que notei é que, entre o pessoal que trata de livros em redes sociais, especialmente no Instagram, a febre momentânea são as obras de John Green. Minha irmã mais nova, uma boa leitora, bem acima da média dos adolescentes com sua idade, gostou muito de Quem é você, Alasca? e de algum outro cujo título não me ocorre agora. Como a maioria dos usuários do Instagram deve ser formada por leitores dessa idade, é o que mais se vê. É meio triste, porque falta diversidade, porém isso é típico de sociedade de massa como é a nossa faz tempo. Tenho sérias dúvidas sobre se John Green será lido em vinte anos.

Com Harry Potter, parece-me ocorrer algo diferente. O livro foi febre e continua arrebanhando fãs nas novas gerações, desde 1997, quando foi lançado em inglês, há quase vinte anos. Os primeiros adolescentes que leram a estória do bruxo britânico, se tivessem seus 12 anos à época, estão na casa dos 30 no mundo anglófono. Além disso, como mencionei, a adesão ao livro e aos filmes, que ajudaram a catapultar o universo construído nessa narrativa em todas as direções geográficas e etárias, ocorreu também entre pessoas já crescidas na época e depois do lançamento. Estou no começo dos 30 e não havia tocado ainda em Harry Potter, mas meu melhor amigo, meses mais velho do que eu - faço questão de ressaltar isso, na esperança de que ele veja esta postagem um dia - leu toda a série e sempre me veio com referências das obras que me deixavam boiando, e eu tinha de pedir explicações do que se tratava: tornei-me um amigo de conversa claudicante para ele. O mesmo aconteceu em várias ocasiões, quando se falava em lançar um "avada kedavra" sobre um desafeto do dia, em "aparatar" em algum lugar ou em mandar uma coruja a alguém.

O interesse pelas pessoas que leram Harry Potter e me fez decidir correr os olhos por essas páginas pode ser desdobrado, pelo menos, de duas formas. O primeiro é o de dar o braço a torcer e encarar a realidade: pelo visto, até minha morte, os elementos do universo potteriano estarão a minha volta, e talvez o custo de oportunidade da leitura, em termos de tempo que poderia ser dedicado a outras páginas, seja muito baixo e recompensador, tendo em vista o aumento de repertório compartilhado com o resto das pessoas que me são mais próximas. Poderei, assim, entendê-las melhor e alcançar suas referências, afinal, uma das formas por meio das quais a literatura nos afeta profunda e imperceptivelmente é transformar nossa capacidade de representar o mundo, de imaginar hipóteses e possibilidades e de expressar ideias e emoções, por analogia positiva ou negativa com os eventos, os sentimentos, as possibilidades assimiladas na leitura.

O segundo desdobramento de meu interesse pelos que leram Harry Potter como justificativa para eu mesmo lê-lo é o de tentar entender o que há nessa obra que tanto fascínio exerce em gente tão díspar, ao longo de quase duas décadas. Alguma qualidade de tocar seres humanos tão diferentes deve ser reconhecida nessa narrativa. Aliás, não "alguma", mas muita, porque o livro é um fenômeno, mesmo se nos restringimos apenas a sua performance editorial. Se eu tiver algum palpite do que pode ser, comentarei aqui.

Voltarei a Harry Potter e a Pedra Filosofal em postagens futuras.

12/07/2015

"18 dias" - Diário de leitura 1

Além de A menina sem estrela, está em marcha uma leitura não-literária, 18 dias, do especialista em Política Internacional e colunista da Folha de de São Paulo Matias Spektor. O autor é um dos mais respeitados comentaristas de assuntos internacionais no Brasil. Além dele, estão entre os mais monitorados analistas Sérgio Leo, do Valor Econômico, talvez Clovis Rossi, também da Folha, Oliver Stuenkel, que mantém um blog e ensina Relações Internacionais na FGV, e Dawisson Belém Lopes, que, se não me engano, tem coluna no Estadão.

A ideia de 18 dias é bem interessante: explicitar como, nos bastidores, dois Presidentes hoje icônicos da história da nova República brasileira cooperaram, a fim de reduzir os custos de uma transição de poder para o país, por meio da construção de confiança junto ao Governo estadunidense. 

O autor organiza os capítulos em dias, como sugere o título. Cada um corresponde a um dia subsequente à eleição de Lula para a sucessão de Fernando Henrique Cardoso, entre outubro e novembro de 2002. A época era de grandes incertezas, seja pelas dúvidas relacionadas à ascensão de um esquerdista à Presidência, no âmbito doméstico, seja pelas mudanças drásticas ocorridas nas relações internacionais posteriormente ao 11 de setembro de 2001.

Spektor inicia as seções com o relato sobre o dia, porém aproveita algum gancho, para desenvolver algum tema específico que predomina, até retornar, no final do bloco, ao formato de diário. Por exemplo, o dia 5 é majoritariamente sobre os desafios econômicos do país, tanto dentro quanto fora das fronteiras; o dia 6 sumariza como estava o Brasil quanto à agenda de direitos humanos internacional, por ocasião da mudança de Governo; o dia 8 é dedicado a expor os desafios e as conquistas do Governo que terminava, o de FHC, no que se refere às relações bilaterais com os Estados Unidos. E por aí vai.

Estou na metade do livro, e o que posso dizer é que consegue, até o ponto em que estou, o que todo livro de não-ficção deveria fazer idealmente: ter estrutura interessante e apresentar argumentos sólidos e bem fundamentados em linguagem cristalina. Normalmente, o que se ganha em clareza se perde em consistência e em densidade, porém esse não é o caso de 18 dias, até a metade.

Voltarei em breve, com mais impressões.

11/07/2015

"A menina sem estrela" - Diário de leitura 1

Depois que li a biografia de Nelson Rodrigues escrita por Ruy Castro, fiquei particularmente tentado a ler a obra do biografado. O que mais me interessou não foram as peças, mas as memórias, que Nelson publicou, sob encomenda, quando já era famoso, em formato de crônicas diárias em jornais cariocas. Lembro que, quando meu irmão prestou vestibular, uma das obras indicadas para a prova de Língua Portuguesa era A menina sem estrela, justamente a que mais me interessara, após a leitura de O Anjo Pornográfico. Na época, não me interessei e, procurando o exemplar com capa cor de rosa de meu irmão, não tive êxito. Demorei a encontrar nas lojas da Livraria Cultura aqui de Brasília, as que mais frequento. Quando desisti de procurar, o livro apareceu na prateleira, e eu o comprei.

Até o presente, li uns trinta por cento do livro. Como se trata de crônicas, os capítulos são curtos, com parágrafos numerados, entre 15 e 17 por texto. Ao final, consta a data de publicação no jornal. A edição é da Nova Fronteira, com uma capa bem concebida, que evoca o suporte original do diário jornalístico.

Muitos dos assuntos abordados por Nelson Rodrigues nas crônicas são familiares para quem leu recentemente a biografia escrita por Ruy Castro: o assassinato do irmão Roberto, a morte trágica, por desabamento de um prédio, do outro irmão, a epidemia de gripe espanhola etc. A diferença é que, por excelente que seja a prosa de Ruy Castro, a de Nelson é excelente e meia. A leitura das crônicas equivale a escutar a conversa de um amigo inteligentíssimo, singularíssimo, talentosíssimo para criar imagens e para engendrar frases de efeito. As páginas vão virando imperceptivelmente. Além disso, enquanto a abordagem biográfica de Ruy Castro permanece no âmbito mais objetivo, Nelson derrama-se em subjetividade e permite-se elucubrações metafísicas e reflexões sociológicas que dão um gosto todo especial ao texto.

Voltarei ao livro mais à frente, à medida que atravessá-lo. Em postagem posterior, compartilharei alguns trechos marcantes, particularmente aqueles com as frases vivíssimas de Nelson Rodrigues.

10/07/2015

Notícias dos últimos tempos

Terminou esta semana a disciplina do Mestrado em Literatura que cursei como aluno especial, a qual decidi fazer depois de iniciado o blog. Com isso, fico com mais tempo livre, ao menos, por umas semanas, para dedicar-me ao Palavra de Literatura. Talvez me submeta à seleção do Mestrado, cujo edital já foi publicado. Se for o caso, devo desviar tempo para a elaboração de um projeto de pesquisa, para a sedução (figurativamente!) de algum orientador e para a leitura da bibliografia do edital, já publicado. Veremos.

A disciplina que concluí, de quatro créditos, chamou-se "Literatura e mobilidade" e propôs-se a estudar, essencialmente, a representação literária da mobilidade, mais especificamente, das migrações, das diásporas, do exílio etc. A bibliografia foi muito interessante, especialmente a teórica, que incluiu textos de Edward Said, Stuart Hall, Salman Rushdie, entre outros mais restritos à academia. Foi bacana especialmente porque me permitiu conjugar o gosto pela literatura e pelos temas internacionais.

Meu artigo final, correspondente a 65% da nota, foi uma análise do romance Rakushisha, da escritora carioca Adriana Lisboa. Minha ideia foi enfocar a viagem da personagem Celina ao Japão como uma metáfora para o processo de luto que ela vivenciava no plano psicológico. Um dos textos teóricos mais interessantes do curso, designado a mim para apresentação de seminário, foi justamente sobre como a escrita de viagem normalmente está vinculada a um percurso íntimo, a um desenvolvimento no âmbito interior do viajante-narrador.

Esta é a capa da edição impressa. Li em formato eletrônico, no Kindle.


Em postagem seguinte, comentarei o romance e esmiuçarei melhor a abordagem que propus. O problema é que o risco de spoiler é grande. Veremos como contorno essa dificuldade. Também devo comentar as leituras conclusas no período de ausência, bem como aquelas em curso atualmente. No primeiro grupo, estão, além do Rakushisha, O livro da dor e do amor, de psicanálise, muito aproveitado para o artigo mencionado. No segundo grupo, estão A menina sem estrela, de Nelson Rodrigues, Harry Potter e a pedra filosofal, de J. K. Rowling, e 18 dias, de Matias Spektor. 

Aguardem, mas, se demorar, podem cobrar.