30/09/2016

Resenha-parágrafo - "Hanói", de Adriana Lisboa

Ando sumido, eu sei. Tenho pensado em como recuperar a regularidade nas postagens deste blog, porque ainda quero bem a ele e continuo convencido de seu proveito para mim; não tanto, como sempre, do valor dele para os outros. Tive agora a ideia de facilitar a frequência das postagens impondo-me um desafio simples: escrever um parágrafo sobre livros que eu ler, visto que textos mais longos exigem mais tempo e dedicação do que tenho sido capaz de reservar. Vejamos como me saio.

Hanói, de Adriana Lisboa

David, um homem de seus trinta anos, músico diletante, ocupante de um emprego banal, recentemente abandonado pela namorada, recebe do médico a notícia de que vai morrer em poucos meses. Em meio às iniciativas que toma para despedir-se da existência, como distribuir os poucos bens contidos em seu apartamento, conhece Alex, descendente de vietnamitas imigrados para os Estados Unidos, caixa de um mercadinho de bairro e mãe solo de um garoto. O encontro dos dois é especialmente problemático pela dúvida sobre se é plausível e desejável um envolvimento amoroso cujo prazo de validade está prestes a vencer pela morte iminente de uma das partes. O que poderia ser um dramalhão ou um fardo emocional é representado por Adriana Lisboa com uma limpidez e uma serenidade que nos fazem deparar com a tristeza e com o implacável de uma forma terna. Pessoalmente, sinto saudades das personagens e de sua convivência. 

Avaliação: ****

29/09/2016

"Meus desacontecimentos", de Eliane Brum - resenha


Avaliação: ****


Quando leio algo escrito por Eliane Brum, tenho a sensação de que vou me desequilibrar e cair no próximo passo. Um pouco de vertigem. Por incrível que pareça, a sensação é boa, porque a tensão vem de uma ameaça a minha zona de conforto. Ao mesmo tempo, dado o passo arriscado, transposta uma frase, transcorrido um parágrafo, é comum sentir que descobri ou elucidei uma parte de mim que estava guardada, confusa, enevoada. Não sou jogado para fora da zona de conforto com um golpe maldoso, mas sou conduzido, sorrateira e suavemente, para fora dela, como que por uma sábia feiticeira que quisesse me ensinar não apenas com a cognição, mas também com outros aspectos da alma, aqueles a que escrita literária dá acesso de forma privilegiada. Ler Eliane Brum sempre me deixa melhor do que era.
Por essa experiência com o texto da escritora, decidi provar um de seus livros. Procurei o que havia disponível no "Kindle Unlimited", a assinatura de livros oferecida pela Amazon, nos moldes do Netflix, e encontrei Uma, duas, uma ficção de que já ouvira falar, e Meus desacontecimentos, cujo subtítulo prometia contar à história da autora com as palavras. Eu sempre me interesso pelos bastidores da vida de quem escreve. Uma bisbilhotice boa. Quero saber as circunstâncias que levam alguém a criar e a publicar, a estabelecer uma comunicação carregada de inteligência estética com pessoas desconhecidas. Deixei Uma, duas para depois. Queria mitigar o risco de me desgostar naquela empreitada de aproximação da escrita de Eliane Brum, agora em livro. Meus desacontecimentos prometia ser algo mais próximo ao tipo de texto da autora com o qual eu estava habituado. 
A subjetividade de Eliane Brum está muito presente no texto do livro, mas, ao representar seus meandros, a autora conecta-se com a gente e nos representa também. O tipo de sofrimento relacionado à dificuldade de estar no mundo é universal, e Eliane Brum nos toca muito bem com a revelação de seus casos. Na obra, ela conta o que escrever significou para ela, como foram definidos seus marcos do estar no mundo e seus compromissos éticos com o jornalismo e com a literatura. Sua preocupação humanista, o olhar atento e sensível para as questões vinculadas à condição das minorias sociais, sua espécie de sacerdócio ou de profissão de fé com a escrita: tudo isso vai historiado e bem exposto no livro.

Seguem meus trechos preferidos, organizados tematicamente:

Relação com as palavras








Existência humana







Preocupação social e realidade brasileira






A história com a menina de rua

(A sequência em que Eliane Brum conta sua história com uma menina de rua que lhe pareceu ameaçadora ao primeiro contato me chamou especialmente a atenção. Nela se representa muito bem a falácia daquilo que, no Brasil, alguns estratos sociais costumam chamar de meritocracia, mas não passa de discurso autorreferenciado e consagrador de privilégios. Essa parte da história é tão dolorosa quanto necessária.)




Condição feminina