09/04/2015

Meu remorso depois de "o remorso de baltazar serapião" - parte 1

Depois de terminar minha primeira leitura de Valter Hugo Mãe, A desumanização, não fiquei convencido. Como comentei nas postagens a respeito do livro, achei que o autor era talentoso em construir imagens de grande qualidade literária, mas o conjunto da obra ou sua virtude como romance ficava a desejar.
Foi essa notável qualidade das imagens criadas por Valter Hugo Mãe, aliada ao entusiasmo de duas amigas virtuais cujo gosto respeito muito, que me levou a, tão logo terminado o primeiro, entabular a leitura do segundo, o remorso de baltazar serapião, que comprei, porque não achei a máquina de fazer espanhóis na ocasião em que fui à Livraria Cultura.



Que capa linda!

Diante do título, pensei como o tema do remorso deveria render muito pano para mangas narrativas e poéticas. A culpa é um sentimento constitutivo da civilização Ocidental, especialmente por sua herança judaico-cristã, em que o amor está atrelado à expiação de pecados, nem sempre os próprios. O remorso é uma consciência latejante e persistente da culpa, que morde e torna a morder as circunvoluções cerebrais de quem é acometido por ele. Que dentes amolados cravariam o peito de baltazar? Seria uma culpa efetiva, ou uma personalidade excessivamente responsável sofreria por um fato desvinculado de sua esfera de ação? E, quando o fato não está sujeito a nossa ingerência, estamos isentos de culpa?
Assim como em A desumanização, Valter Hugo Mãe cria, em o remorso de baltazar serapião, uma atmosfera toda própria, que produz uma fascinante sensação de estranhamento e de familiaridade simultaneamente. O segundo livro, no entanto, supera o primeiro largamente, porque a essa atmosfera corresponde uma ação multifacetada conduzida por vários tipos que, se não são todos profundos, convencem no âmbito daquela atmosfera. Quase todas as personagens não são muito mais do que tipos mesmo, esboçados: dom afonso, o senhor concupiscente e absoluto; dona catarina, a megera poderosa e ciumenta; brunilde, a jovem mulher matreira e ambiciosa; a mulher queimada, uma feiticeira misteriosa; teodolindo, o amigo ingênuo, dedicado e fiel; baltazar, que encarna a luta entre o amor sincero e as agruras da realidade.
As figuras femininas ocupam espaço proeminente no enredo, e eu poderia escrever uma postagem para cada uma delas: a mãe de baltazar, a irmã brunilde, a infeliz esposa ermesinda, a mulher queimada, dona catarina e, permitam-me a licença poética, a vaca sarga. As relações de gênero parecem o substrato a partir do qual Valter Hugo Mãe vai tratar, de forma irônica e trágica, o remorso do título. A vítima-mor é ermesinda, contudo todas as mulheres são submetidas a alguma espécie de violência, reagem a seu modo e com as armas de que dispõem.

(continua)

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