17/02/2015

Meta de leitura: categoria "Paraíba e Nordeste" e "A invenção do Nordeste"


"Se eu fosse editor, ia buscar coisas no Nordeste: as coisas mais geniais do mundo estão lá."
(Tom Jobim, "O Pasquim", 1969)

Na semana que passou, voltando do trabalho para casa, ouvi pelo rádio que as denúncias contra ocorrências de xenofobia na Internet aumentaram 375%, em 2014, em relação ao ano anterior. A maior parte delas relacionava-se a casos de preconceito e de discurso de ódio contra os nordestinos no período pós-eleitoral.

Na época, o fenômeno não me apareceu quantificado, mas aquela discussão sobre a legitimidade do voto dos eleitores nordestinos despertou-me os instintos mais primitivos. Brincadeira. Na verdade, meu fogo de indignação foi aceso sim, mas, em vez de vontade de vingança primitiva, senti mesmo um desejo grande de conhecer melhor a realidade do que se convencionou chamar Nordeste e povo nordestino, para municiar-me de argumentos sólidos nesses debates, que, julgo eu, tendem a tornar-se mais frequentes no futuro próximo. 

Ligado a isso, cresceu meu interesse especificamente sobre a Paraíba, minha terra natal, que me vejo na obrigação de estudar e de conhecer. Se não forem os paraibanos a sistematizar e produzir conhecimento sobre o que aconteceu e acontece dentro das divisas do Estado e a contar a História do Brasil da perspectiva local, mais ou menos como fez Evaldo Cabral de Melo, raramente alguém vai dar atenção a esses temas e a esses pontos de vista fora do Nordeste. 

Já vivemos o apagamento sistemático das cores e dos traços locais pelo fato de que quase tudo que se produz, em termos de notícias e de debate jornalístico com abrangência nacional, de teses acadêmicas com oportunidade de publicação e distribuição, de peças audiovisuais com espaço na televisão para todo o Brasil, de ficção literária nas grandes editoras, eu dizia, tudo que se produz e adquire relevância geral no Brasil tem, atualmente e há muito tempo, de passar pelo crivo do eixo Rio-São Paulo. A história do país é contada, diariamente, pelas lentes, pelos interesses e pelos objetivos de quem vive no Sudeste. Não é questão de malvadeza, não se me entenda mal: é natural que quem tenha acesso ao microfone, à câmera, ao papel publicado e à tribuna em sentido geral conte sua versão, nos limites de seu mundo.

O primeiro e principal livro que incluí nas metas de leitura para 2015, na categoria "Paraíba e Nordeste (ver postagem sobre as metas de leitura deste ano), criada pelo sentimento pós-eleitoral e pela necessidade de conhecer melhor, para mostrar um ponto de vista fora do eixo, foi o de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, publicado pela editora Cortez: A invenção do Nordeste e outras artes. O livro é uma versão adaptada da tese do autor, defendida na Unicamp e vencedora do Concurso Nelson Chaves de teses sobre o Norte e Nordeste brasileiro, da Fundação Joaquim Nabuco. Minha edição é a quinta e data de 2011, mas o livro foi lançado em 1999.



Lembro que ouvi falar nesse livro, pela primeira vez, pela boca de um grande amigo que cursava a graduação em História na Universidade Federal da Paraíba. O autor foi professor da instituição, e já se falava neste, entre os estudantes, com uma admiração que testemunhei nos comentários de meu amigo. Esse amigo figura entre os mais inteligentes e estudiosos que conheci e também é apaixonado por livros.

A obra historia como, aos poucos, no século XX, formou-se a ideia de Nordeste, na condição de espaço de identidade dentro do guarda-chuva da nacionalidade brasileira. Assim como, após a Independência, a elite brasileira dedicou-se à invenção da brasilidade, processo mais ou menos consciente, ocorrido em detrimento de particularidades regionais e classistas não convidadas a participar integralmente dessa invenção, a nordestinidade também constitui o que Benedict Anderson chamou de comunidades imaginadas, em livro com esse mesmo nome. O fato de ser imaginada não significa que seja falsa. Como diz Lilia Moritz Schwarcz na apresentação ao livro de Anderson:


"Não se imagina no vazio e com base em nada. Os símbolos são eficientes quando se afirmam no interior de uma lógica comunitária afetiva de sentidos e quando fazem da língua e da história dados 'naturais e essenciais'".
Eis, em linhas gerais, o que me levou a criar a categoria "Paraíba e Nordeste" em minha lista de livros a ler em 2015. Fica explicado também por que incluí A invenção do Nordeste e outras artes entre as metas deste ano. A divulgação dos números com que comecei este texto lembrou-me de adiantar a postagem. 

Para terminar, indico outros títulos que já li e considero que seja importante figurarem em uma lista formada à luz das preocupações expostas aqui:

O Norte agrário e o Império: 1871-1889, de Evaldo Cabral de Melo, publicado pela Topbooks.



A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, também de Evaldo Cabral de Melo, publicado pela Editora 34.



O fole roncou: uma história do forró, de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, publicado pal Zahar.



Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil, de Gilberto Freyre, publicado pela Graal.



Formação econômica do Brasil, de Celso Furtado, publicado por várias editoras, entre elas, a edição comemorativa dos 50 anos, pela Companhia das Letras.



O moleque Ricardo e Usina, de José Lins do Rego, publicados pela José Olympio.


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