21/02/2015

Guia leve e informativo sobre a Literatura Brasileira

Título: Literatura Brasileira: modos de usar
Autor: Luís Augusto Fischer
Editora: L&PM
Número de páginas: 143 (com apêndice)
Ano: 2013 (lançado em 2007)
Homero não leu e não gostou, mas não é sempre que a gente concorda.

Só agora, quase quatro da tarde, estou ingerindo os primeiros gramas de cafeína do dia. Acordei quando faltavam somente trinta minutos para meu treino de tênis, então, mal deu tempo de tomar a chuveirada que permite domar os cabelos moldados pelo laquê do travesseiros, engolir alguma glicose em forma de iogurte, vestir a roupa, encher a garrafinha de água e dirigir para a quadra pública que fica a cinco minutos de casa. O treino estendeu-se além do horário, depois fui ao clube tomar Sol e, em seguida, almocei no Mangai, um restaurante paraibano com filiais em Natal e aqui em Brasília. Como ontem fomos dormir perto de três da madrugada, porque decidimos assistir, tarde da noite, ao filme Lendas da paixão (Legends of the fall), é possível imaginar como a cafeína nossa de cada dia me fez falta até este instante e era fundamental para a escritura desta postagem.

Superado o drama pessoal, vamos aos livros, assunto principal deste blog. Comentarei minhas impressões sobre a leitura de Literatura Brasileira: modos de usar, do professor da UFRGS Luís Augusto Fischer. Como contei em uma rapidinha de Carnaval, comprei esse livro de bolso da L&PM no sábado passado, por acaso. Eu esperava uns amigos para almoçar em um shopping, e obviamente isso se faz na livraria mais próxima. Aproveitei a ocasião para procurar um exemplar do Memorial de Aires, destinado à promoção que está rolando. Na estante de títulos de bolso, com fileiras da Martin Claret, da Companhia de Bolso, da Hedra, não poderia faltar a editora de bolso por excelência no Brasil, a já citada L&PM, em cujas fileiras encontrei o protagonista de hoje. 

Não me lembrava de ter visto antes esse pequeno guia de Luís Augusto Fischer em minhas assíduas visitas às livrarias. Puxei-o, pelo topo da lombada, com o dedo médio, dentre os outros livros encostados uns aos outros como andorinhas em fio de poste, olhei a capa, virei, inspecionei o índice e procurei algum capítulo que me chamasse especialmente a atenção. Gostei dos títulos, que prenunciavam uma forma diferente de apresentar a Literatura Brasileira. Em vez de uma exposição linear e cronológica, o autor agrupou tradições e temas recorrentes para construir os capítulos. Embora não abandone o critério temporal, Fischer não parece ter-se preocupado com categorizações bem delimitadas, portanto deixou o livro tomar a forma de um bom bate-papo sobre literatura, sobre seus usos e sobre suas determinantes no Brasil.

Com 140 páginas, em formato de bolso, para dar conta de uma literatura cujos antecedentes europeus remontam a séculos, o livro não poderia ser senão um panorama, mas é dos bons. Seja na exposição de tradições de nossa literatura, como nos capítulos "A tradição realista", "A tradição intimista" e " A tradição de vanguarda"; seja na discussão de gêneros que se destacam em nossa produção literária, como no subcapítulo "Ensaio, o quarto gênero literário" e nos capítulos "O gosto pelos gêneros menores" e "Linhagem das memórias"; seja, ainda, nos momentos em que debate os vínculos mais estreitos entre o mundo da literatura e a realidade nacional, como em "A literatura e o abismo social no Brasil" e em "A busca da identidade nacional", o autor conseguiu engendrar um texto leve e interessante, simpático e pertinente, fluido e informativo.

A preocupação confessada de Luís Augusto Fischer, ao escrever Literatura Brasileira: modos de usar, foi orientar quem não se transformou em leitor contumaz após o período escolar, mas tanto reconhece a importância da leitura como tem vontade de desenvolver o hábito. Ele mesmo diz que se trata de um livro de autoajuda. Seu objetivo é contribuir para que, em nosso país, haja mais leitores não profissionais. O professor Fischer diagnostica que "a circulação da literatura brasileira clássica depende muito, e em alguns casos exclusivamente, do circuito escolar universitário". Ele tem razão, quando diz que só continua lendo literatura, depois da escola ou da universidade, no Brasil, quem vai dedicar-se ao ensino da literatura como profissão. Alguém discorda de que essa seja a regra?

Para além da intenção do autor, muito útil e, a meu ver, realizada a contento, o Literatura Brasileira de Fischer serve como excelente introdução madura para quem está em preparação para concursos que cobrem o tema. Um que me veio à mente foi o do Instituto Rio Branco, que seleciona e prepara anualmente os novos diplomatas brasileiros. Especialmente para a segunda fase do certame, que visa a avaliar o desempenho dos candidatos quanto ao uso da língua portuguesa, creio que o livrinho de Fischer é de grande valia.

Eu me considero relativamente bem informado sobre Literatura Brasileira, mas o Literatura Brasileira: modos de usar teve ainda a utilidade de chamar minha atenção para autores com os quais eu pouco me importava e até para alguns desconhecidos, principalmente entre os contemporâneos. Anotei vários nomes e títulos para posterior atualização da lista de leituras.

Entre as muitas discussões propostas e pinceladas por Fischer, destaco aquelas que lidam com as ideias de regionalismo e de modernismo. Ele critica o emprego desses termos para descrever os fenômenos literários a que tradicionalmente se referem. Em ambos os casos, acusa o reducionismo de tais rótulos, calcados na hipervalorização do urbano, no caso do conceito de regionalismo, e do modernismo paulista, no caso da classificação de toda a literatura nacional do século XX como pré-modernista, modernista de primeira, de segunda e de terceira geração e pós-modernista, em função da Semana de 22. Chama o conceito de regionalismo de "rótulo insuficiente, redutor e anticrítico (...), o que já deveria ser motivo suficiente para ele ser posto de parte, no debate relevante". Chama a classificação fundada no modernismo de 22 de paulistocêntrica e modernistólatra, pretensamente responsável pela existência de tudo de relevante que aconteceu no século XX brasileiro em termos literários.

O efeito da cafeína está terminando, e eu vou tirar um cochilo. Mais tarde, uns amigos virão em casa para uma sessão de jogatina e de fondue. É prudente que eu descanse um pouco, senão o gás do candeeiro de meus olhos vai acabar antes de o papo com as visitas esquentar. Fica a sugestão de leitura com ótima relação custo-benefício: pouco tempo e muito pano pra manga.

Um comentário:

  1. Tbm achei bem interessante os titulos dos capítulos: "A literatura e o abismo social no Brasil", "A busca da identidade nacional"...
    Conta aí pra gente quais os autores que vc pensa em incluir na sua lista de leituras depois do "Literatura Brasileira: modos de usar".

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