09/02/2017

Por que gritamos golpe?

O tempo presente está todo eivado de fatos políticos e sociais cujos rumos não param de ultrapassar os limites do que consideramos compreensível. A eleição de um ultraconservador incendiário nos Estados Unidos, logo após os oito anos de governo do primeiro presidente negro da maior potência planetária, é exemplo internacional desse mundo em aparente desgoverno diante de nossos olhos e de nossos órgãos de compreensão. No Brasil, parte substancial do que nos foge à compreensão tem a ver com a derrocada do governo Dilma Rousseff, seguida da ascensão de um grupo formado por velhas raposas da política tradicional, apoiado por uma bancada parlamentar com discurso restritivo quanto a liberdades civis e a direitos e a garantias sociais. Uma grande mobilização popular que parecia pregar a moralização da coisa pública simplesmente desmanchou-se no ar, embora sobrem razões para acreditar que os substitutos da presidenta derrubada estão aí para, como um deles disse, estancar a sangria.

No contexto complexo que a realidade brasileira impõe a nosso entendimento, aquelas pessoas mais angustiadas com a opacidade dos fatos do mundo nacional podem encontrar no livro Por que gritamos golpe?, da editora esquerdista Boitempo, uma boa representação do que a ala contrária ao impeachment ou golpe pensa e de como narra o que aconteceu. A composição de autores é muito variada: encontram-se desde políticos menos patentemente de esquerda, como Roberto Requião e Ciro Gomes, a outros mais nitidamente identificados com a esquerda franca, como Jandira Feghali e Luíza Erundina; há a cartunista Laerte Coutinho, ativistas e militantes dos movimentos estudantil, negro, sindical, feminista; há pesquisadores acadêmicos e intelectuais, como André Singer e Michael Löwy. Embora já um pouquinho desatualizado, porque publicado no calor da disputa e antes do impedimento definitivo de Dilma Rousseff, o livro é um retrato diversificado e representativo, acho eu, do pensamento de um dos lados. Essa é sua maior virtude.

O lado fraco do livro é a densidade analítica e explicativa. Se, como eu, você procurava "insights" que permitissem enriquecer sua interpretação e seu entendimento dos meandros sociais, culturais e políticos do que os autores chamam de golpe, poderá decepcionar-se. Há textos excelentes nesse aspecto, como o do já citado André Singer, mas não ocupam, talvez, nem 20% do total de páginas. Os demais textos são panfletos convocatórios, diagnósticos repisados, interpretações superficiais, mais para mobilização e reciclagem pelos militantes, nas discussões por aí, do que para compreensão. Muitos argumentos que qualquer pessoa minimamente informada cansou de encontrar nas redes sociais e na imprensa são repetidos um tanto exaustivamente de um artigo para o outro, o que enfada a leitura. Depois da terceira vez, passam a ser sentidos como detrito, como mal necessário se você quer ter acesso a algum fato ou ponto de vista mais original contido no livro.

Consciente do que o livro oferece, ele parecerá mais ou menos valioso ao leitor, na dependência das expectativas deste. Eu considerei a leitura útil, mas, como esperava mais originalidade analítica, mais vieses aos quais não tive acesso pelos canais cotidianos, fiquei meio desalentado ao longo das páginas. Sem dúvida, porém, o livro tem sua utilidade como documento e como síntese representativa e suficientemente diversa das forças que se uniram contra a derrubada de Dilma Rousseff da presidência do Brasil.

*** três estrelas

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